quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Assobiadelas em construção.

Olá, pessoas bonitas! Quer dizer... Olá pessoas. Pronto.
Quem é que aqui sabe assobiar? É aquela coisa que envolve fazer um biquinho com os lábios e que não mete objectos fálicos nem câmaras fotográficas ao barulho. Agora, quem é que sabe assentar tijolo? É aquela coisa que ninguém quer ter que fazer, mas que tem sempre que calhar a alguns. Pois bem, se responderam de forma positiva a estas duas questões, há fortes possibilidades de vocês serem trolhas. E ainda bem, porque era mesmo com vocês que eu queria falar.
Eu tenho bastante apreço pela vossa labuta, a sério que sim. Mas a inovação é uma coisa necessária e até aconselhável praticamente em todos os trabalhos - excepto na venda de antiguidades -, e tenho sempre a ideia de que vocês não estão a inovar o suficiente. E a humanidade necessita da vossa inovação, por exemplo, no que diz respeito a dirigir assobios para gajas boas. Digam-me lá, há quantos anos usam o mesmo assobio para mostrar agrado em relação à constituição física de uma determinada pessoa? Todos sabemos de que assobio estou a falar, aquele "fui-fuiu!" a descair para o curto, mas com muita personalidade.
No fundo, somos todos um bocado trolhas, porque em todo o Mundo se recorre a um assobio idêntico. Já no que diz respeito aos piropos, somos uns artistas: "Ralava-te uma sopa de grelo com a minha varinha mágica!" e "A tua mãe merece a carta de piloto, porque não deve ser fácil parir um avião!" são verdadeiras obras de arte do mundo da construção civil, e da urbe no geral. Já a costumeira sonoridade do tal assobio torna-se repetitiva ao fim das primeiras, vá lá, duas décadas. Se ainda não estão convencidos - o que, desde já, demonstra alguma teimosia da vossa parte -, imaginem lá um Mundo onde os trolhas mandam sempre o mesmo piropo. É algo estranho, e até contranatura, não é?
Sim, se há coisa em que os trolhas são originais, para além de encontrar novos meios para esticar a factura, é nos piropos. E se o assobio é, no fundo, um piropo, então porque não variá-lo? Porque é que não começamos a assobiar uma das sinfonias de Beethoven quando vemos uma miúda gira? Uma qualquer, elas também não são esquisitas. Ganha-se em originalidade e em probabilidade de as engatar, porque ficarão a pensar que somos indivíduos com classe quando, na verdade, somos umas bestas. Quer dizer, eu não, mas vocês sim.
Pensem nisto, reflictam bem na vossa conduta piropeira. Se tiverem dúvidas em relação às quais eu possa ajudar, liguem para a minha secretária. Ela é pequenina, mas é feita em madeira maciça, de uma roseira que tinha no jardim. É resistente e trata-vos de tudo.

Abreijo.

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

A nobre arte do arroto.

Se há família unida, é a minha. Não falo em termos de junções corporais, do género siamês, pegados pelas ancas, nem sequer em termos sentimentais. Eu, por exemplo, estou sempre a discutir com o meu cão. Embora ele seja mais de ladrar.
No que a minha família se mostra verdadeiramente unida é nos hábitos e nos costumes. Com efeito, no meu agregado familiar, quatro de cinco pessoas não conseguem arrotar. É um impedimento estúpido de se ter, bem sei, mas demonstra na perfeição a nossa profunda sintonia. A única que não está bem sintonizada é a minha mãe, porque consegue realmente arrotar, mas de qualquer forma eu sempre desconfiei que ela fosse mãe do padeiro. Espera, isto assim não funciona...
No fundo, somos um conjunto de pessoas extremamente bem-educadas à mesa, mas por razões que lhes são alheias. É como se estivéssemos a ser forçados a ter bons modos por uma qualquer entidade de etiqueta invisível. Menos a minha mãe, lá está, que essa é só javardona.
O que poderia ser considerado positivo, no entanto, acaba por ser algo incómodo e até relativamente nocivo. Isto porque o ser humano não foi criado para acumular gazes, tipo botija, e até a botija tem válvulas que lhe vão dando algum vagar. É por isso que, às vezes, gostava de ter nascido mais javardo, como a minha mãe, para poder ter uma válvula que não me deixasse afrontado cada vez que comesse uma colherada a mais de sopa de nabiça. E perguntam vocês: "Querias ser ainda mais javardo do que já és?"; e eu respondo-vos: "Não sejam parvos. E eu nem sequer gosto de sopa de nabiça."
É por causa desta absurda impossibilidade fisiológica que quando os membros da minha família bebem bebidas com gás ficam inchados como se fossem um pequeno cardume de peixes-balão. E eu até gosto de peixe, para variar um bocado da carne, mas nunca me imaginei nas escamas de um. Para além disso, já provei fitoplâncton e não gostei, é muito salgado.
E quando eu era miúdo, não arrotava? Claro que sim, e reparem que já começo a falar sozinho. Segundo a minha mãe, quando eu tinha cerca de três palmos era um campeão do arroto! Entretanto, pelos vistos, fui perdendo o fulgor. Talvez me tenha lesionado nos treinos, sei lá, depois de um dia especialmente intensivo a comer papas e puré de maçã. A partir daí, nunca mais consegui competir em arrotos com o bebé da vizinha do lado. O gajo era mesmo bom naquilo!
Pronto, tudo isto para que o caríssimo leitor fique a par de um aspecto especialmente interessante da minha vida, e da vida dos meus familiares. Mas não lhes diga que eu contei isto, que eles ficam chateados. Principalmente a javarda da minha mãe.

Abreijo.

terça-feira, 29 de julho de 2014

Querem namorar comigo?

Olá, tudo bem? Deixem estar, não interessa.
Podemos falar um pouco acerca da genialidade dos bilhetes de amor que mandávamos na escola primária? Quanto a vocês não sei, mas eu sempre fui um romântico. Já em miúdo, a Minnie não era, para mim, apenas a gaja do Mickey, como diziam os meus amigos mais serranos, mas sim a sua donzela. No máximo, fazia uma ou outra piada sobre a sua rata, mas nada de mais.
Em relação às donzelas reais, da minha turma, eu também era um verdadeiro mini-Don Juan. Os bilhetes que mandava nos intervalos das aulas - sim, porque durante as aulas treinava-se a arte da sedução com a borracha do lápis na boca - eram carregadinhos de sentimento, desde a acutilância das perguntas "Gostas de mim?" ou "Queres namorar comigo?" até à multiplicidade estratégica das hipóteses de resposta, tudo envolto numa caligrafia de fazer inveja ao mais criativo artista plástico.
À pergunta do admirador, a visada respondia fazendo uma pequena cruz numa das três caixas à disposição, com as hipóteses "Sim", "Não" ou "Talvez". Desta forma, não se deixava nada em aberto. Por vezes, havia também uma quarta opção, "Se os meus pais deixarem", que implicava até um contrato com terceiros. Quem diz que os miúdos não têm lugar no mundo dos altos negócios nunca mandou bilhetes de amor em pequeno, com certeza.
No fundo, responder aos meus bilhetes era um bocado como jogar uma versão alternativa do Quem Quer Ser Milionário, com várias hipóteses de escolha, apresentada por uma folha de papel e onde o prémio final era o meu coração. Sim, um trem de cozinha talvez fosse mais útil, mas não constituía um prémio com tanto sentimento.
As paixões, essas, eram duradouras, porque eu não era cá menino de andar a saltar cercas. Nem no sentido figurativo, nem literal, porque tinha medo que os vizinhos se zangassem. Quem respondia positivamente aos meus bilhetes podia contar com o meu amor incondicional até à hora do almoço do dia seguinte, pelo menos, porque entretanto instalava-se aquela rotina do casal e a fome toldava-me todos os outros pensamentos.
Já o fim da relação era penoso e angustiante, porque implicava explicar a uma pessoa que ainda estava a aprender a tonalidade das vogais que a nossa relação não agourava um futuro promissor. Normalmente, quebrava o gelo dizendo: "Tal como esta conta de dividir se conjectura difícil, também a divisão do nosso amor se adivinha custosa para ambos." Era tiro certeiro. Às vezes, até acabavam por partilhar comigo o conteúdo da sua lancheira, como oferenda de paz.
Eram outros tempos, isso é certo. Hoje em dia, já só arranco folhas dos cadernos para fazer aviões de papel e enviar para os quintais dos vizinhos que me aterrorizavam em miúdo, quando lhes tentava saltar a cerca. Enfim, vicissitudes do karma.

Abreijo.

terça-feira, 22 de julho de 2014

Apreensões bucais.

Podem dizer que não à vontade, mas eu cresci. No entanto, quem disser que não, é cócó.
Sim, é verdade, cresci em muitos aspectos. Hoje em dia, não só sou capaz de chegar às prateleiras mais altas da casa como também sou capaz de discutir, sem risinhos parvos, variados temas da actualidade com outras pessoas, desde que não envolvam demasiados sentimentos. Já a tabuada, essa, continuo sem a saber de cor.
Contudo, talvez o aspecto preocupante da minha infância em relação ao qual se nota algum progresso da minha parte seja o meu medo de perder os dentes de leite. Sim, é verdade. Em miúdo, uma das coisas que mais me apavoravam era a inevitabilidade de vir a ficar sem dentes de leite. Podem chamar-me parvo à vontade, embora o acto de chamar parvo a um miúdo não abone muito a vosso favor. São piores do que as crianças, vocês!
Ora, porquê este medo precoce de um acontecimento tão banal como perder as trituradoras bucais de leite, perguntam vocês? Vá, perguntem, estou à espera... Pronto, vou responder: Porque gosto de estar sempre preparado. Sou uma pessoa que, desde cedo, se identificou com aquela ideia de um homem prevenido valer por dois, de modo que gosto de ter sempre suplência. Por isso, gostava de ter sempre um conjunto de dentes extra para reserva, pois nunca se sabe quando vão ser precisos. Sim, é verdade, não confio a mim próprio nem os meus dentes! Eu não sei bem do que sou capaz, e há gente para tudo.
No entanto, posso garantir-vos que este receio em relação ao desamparo oral que é característico aos seres humanos já foi muito pior. É verdade que passei metade da minha infância descansado, pois por alguma razão álcool, quem sabe , pensava que depois dos dentes de leite ainda tinha mais um conjunto de reserva. Uma espécie de dentes de café com leite, digamos, para os já mais crescidos. Descafeinado, claro, e de leite magro para não espicaçar o colesterol. Mas quando me contaram toda a verdade, fiquei preocupadíssimo. Todos aqueles serões a comer doces teriam que passar a ser apenas meios-serões a comer meios-doces, porque afinal só ia ter dois conjuntos de dentes em vez de três.
Foi a partir dessa altura que eu, havendo até então ignorado por completo o bem-estar dos meus aparelhos de trincamento, passei a tratá-los da mesma forma que uma senhora de meia-idade abastada trata os seus caniches: Escovando-os todos os dias e dando-lhes banho com produtos especiais. A ração, essa, também é de requinte, porque já não deixo os meus dentes mastigarem coisas rascas.
No fundo, hoje em dia posso orgulhar-me de ter uma boca com pedigree e muito poucas, se não nenhumas, carraças.

Abreijo.

terça-feira, 24 de junho de 2014

Friezas de estação.

Agora que o Verão se está a aproximar ou não, dependendo da altura do ano em que estão a ler isto , temos que discutir um assunto bastante sério e que preocupa muitas pessoas que, como eu, gostam de manter um certo nível de ordem social no seu bairro. Aproveito para chamar principalmente a atenção dos vendedores de gelados deste país, porque o que se segue diz respeito a alguns dos seus clientes.
Expliquem-me o seguinte: Quem é que, no seu perfeito juízo, recusa um gelado de cone em favor de um gelado de copo? Até há bem pouco tempo, costumava ver pessoas na rua a comer gelados à colher e tinha pena deles, pois provavelmente ter-se-iam dirigido a um estabelecimento comercial que só vendia gelados envoltos em plástico. Só que, ao que vim a saber, pelos vistos a maior parte dessas pessoas escolhe mesmo comer o gelado num copo, apesar de ter à disposição um cone de bolacha também ele comestível, ao contrário do copo de plástico que não dá jeito sequer para petiscar. Ainda assim, eu tinha um primo que era um bocado parvo e comia plástico. Tinha, note-se.
Quando vejo pessoas, como o meu primo, a pedir um gelado de copo tendo à disposição cones de bolacha, costumo perguntar-lhes se não tiveram infância. E elas, envergonhadas, como é óbvio, tendem a não me responder, ou a lançar-me apenas um ligeiro "Vá-se f*der, pá!" Gente estranha, esta. Mas tratam-me por você, e eu gosto de respeito. É que, havendo a hipótese de um cone de bolacha, é óbvio que as pessoas devem pedi-lo! Não o fazer é o mesmo que cortar definitivamente os laços com os tempos de juventude, o que eu, eterno imaturo, ainda não estou preparado para fazer. Pedir um gelado de copo é o mesmo que desejar ter uma vida sem sonhos, ou ir a uma feira medieval e os cavalos terem sido substituídos por trotinetas. Dá um outro aspeto visual, é certo, mas não é àquilo que estamos habituados.
Mais, o gelado de cone é amigo do ambiente! Não resta nada para contar a história. Já o gelado de copo é um vil poluidor, pois metade daquilo por que pagamos acaba no lixo. É dinheiro mal gasto. Aposto que quem faz isto também não tem paz de alma suficiente para colocar a embalagem na reciclagem, pois devem ser pessoas destroçadas no seu interior e eternamente mal com a vida. Se, em África, alguns meninos soubessem que nós andamos aqui a escolher comer um único produto pelo mesmo preço de comer dois produtos diferentes, dava-lhes para rir. Até chegar um leão, depois teriam que começar a correr. Rir e correr ao mesmo tempo não dá jeito. Pronto pronto, eu deixo de ser racista... Bem sei que nem todos os leões são africanos.
Sim, é verdade que os gelados de cone derretem e começam a pingar-nos para as mãos, obrigando-nos a lamber tudo à volta como uma actriz pornográfica em início de carreira. Também é verdade que não parecemos muito dignos quando o abocanhamos, mais uma vez, como uma actriz pornográfica em início de carreira. Mas são parte da nossa infância, tal como as actrizes pornográficas, e devíamos agarrar-nos a isso com todas as nossas forças. O gelado de copo pode ser mais prático, porque inclui uma colher, mas ao mesmo tempo não nos permite ser javardos. E a vida, no fundo, é feita de javardice. Nós próprios fomos concepcionados num clima de pura javardice. Era muito difícil a minha mãe conseguir engravidar só com uma colher.
Com tudo isto, concluo que existe um lugar reservado no Inferno para dois tipos de pessoas: Actrizes pornográficas já em fim de carreira e pessoas que recusam gelados de cone. E as primeiras, com jeitinho e alguma técnica, ainda se conseguem safar.

Abreijo.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Tudo a nu.

Não é verdade que me zangue apenas com os comportamentos humanos, como no outro dia me vieram dizer na rua. Estou a brincar, ninguém me aborda na rua. Independentemente disso, às vezes também me zango com os (restantes) animais. A questão é que, muitas das vezes, nem é o comportamento geral deles que me irrita, mas sim a sua passividade em relação aos humanos. Lá está, voltamos sempre ao mesmo... Pronto, se calhar é mesmo só a espécie humana que me faz espécie.
Meus compinchas de outras raças, meus amigos de locomoções alternativas: Porque razão se prostam de forma tão subserviente às extravagantes vontades humanas? Mais especificamente, porque é que aceitam que os humanos vos vistam? Sim, é disto que estamos a falar, meus amigos, do totalitarismo personificador dos seres humanos. Sentindo-se tristes e sozinhos na sua prática obrigatória de colocar vários tipos de tecido em cima do corpo, os seres humanos decidiram começar a vestir outros bichos, desde cães e gatos a lagartixas e iguanas.
E passo logo para um apelo, porque hoje está Sol e não me apetece estar aqui com muitos encargos: Não se ponham a vestir os animais, deixem-nos estar em paz consigo próprios! Pensem no quão livres eles se devem sentir, com tudo o que lhes é bambo a chocalhar ao sabor do vento. Não nos chega nós próprios termos que usar roupas que nos restringem o corpo e nos sufocam a pele? Sabem o que eu dava para poder sair à rua nu, e aparecer em frente a vastas quantidades de público sem necessidade de recorrer a qualquer peça de roupa? Quer dizer, no fundo até posso... Mas as pessoas têm tendência para se horrorizar, e ficarem especadas a olhar para mim. Vá-se lá saber porquê.
O que até acaba por me dar algum gozo neste fenómeno de vestir animais, no entanto, é a gritante cobardia do ser humano. Não é por acaso que só vemos animais de pequeno porte (e de fraco amor-próprio, diga-se) serem alvos deste achincalho por parte do ser humano. De facto, há animais que de passivos têm muito pouco, e a esses eu tiro-lhes o chapéu; figurativamente, porque se lhes tirasse mesmo o chapéu eles eram capazes de me arrancar metade da cara à patada. Se não acreditam, então tentem vestir uma t-shirt a um tigre, ou enrolar um cachecol tricotado em lã ao pescoço de um urso... E depois venham-me contar esse episódio, já sem metade da boca e com baba a percorrer-vos os queixos.
Posto isto, apresento-vos duas soluções: Ou deixam de tentar incutir no reino animal práticas e costumes estapafúrdios inventados, em alguma altura especialmente negra da história, por um ser humano relativamente pouco iluminado a nível mental , ou então começo eu já a fazer história e saio à rua sem qualquer tipo de constrangimentos sociais, de pudor e de qualquer espécie de roupa interior.
No fundo, tudo isto é uma desculpa, mais ou menos elaborada, para eu poder sair à rua nu. Até porque, como já disse, está Sol.
Cada qual com os seus fetiches.

Abreijo.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Bolices e manias.

Festejar é bom, eu adoro festejar. É das melhores coisas que faço na vida, sendo que até tenho jeito para a coisa. Aliás, se tiver razões para isso, sou capaz de festejar durante duas semanas inteiras, fins-de-semana incluídos. O meu único problema é que os meus festejos são muito à base do estar, vá lá, feliz... E, ao que parece, muitas das vezes isso não é suficiente.
Vamos então falar de bolos, como é óbvio: Bolos grandes e lêvedos, bolos pequenos e atarracados, bolos com recheio de creme e creme com recheio de bolos. Existe um pouco de tudo, e há um festejo em particular que aglomera todos estes tipos de confeitaria: O aniversário. Um bolo de aniversário é capaz de alimentar quinze gerações de formigas ao longo de todas as suas vidas; também consegue, em apenas três garfadas, transformar qualquer corredor de maratonas num diabético em fase terminal. Ainda assim, é sempre com bolos de aniversário que festejamos, claro está, os aniversários. E eu não tenho nada contra, porque como já disse até sou bastante talentoso na nobre arte do festejo. Mas não sei fazer bolos, e a minha veia artística peca por isso.
A verdade é que eu não sei fazer bolos porque nunca fiz nenhum, e nem sequer faço muita questão em aprender como se faz. O meu principal dilema é não conseguir perceber o porquê de se festejar eventos vários, principalmente aniversários, com bolos. Não me interpretem mal, também acho que festejar com comida é muito bem pensado! Aliás, comer é capaz de ser das melhores coisas fazemos na vida, logo a seguir ao sexo a três e ao coçar as zonas baixas com uma concha de esparguete. Tenho tudo isso listado, por ordem de preferência.
Mas sempre que faço parte integrante de um aniversário, quer como anfitrião, quer como convidado, pergunto-me o porquê de se estar a festejar com um bolo e não, por exemplo, com filetes de peixe. Porque é que existe o bolo de aniversário, mas não existe o filete de peixe de aniversário? O que é que o peixe tem a menos que a farinha? Enfim, perguntas que devem fazer a vós próprios.
No geral, e por muito folião que me considere, fico sempre perplexo durante as festas de anos. Há sempre uma pressão inerente a estes eventos de se tentar perceber quem é que é amigo o suficiente para receber convite, e quem não é. Para além disso, fica-se sempre com a impressão de que estamos a manter aquelas pessoas de grupos tão diferentes em cativeiro, forçando-as a conviver umas com as outras. E no fim, para acabar de embrulhar todo este presente de pressão psicológica e social, ainda temos que os alimentar com um tipo de comida que não é, de todo, a mais recomendada. No fundo, ser convidado para um aniversário é como ganhar um passe grátis para visitar o zoológico, mas do lado de dentro das jaulas.
E nem me vou esticar em relação ao assunto das velas, que teríamos assunto para mais três textos... Desde o acto de se acender um objecto pirotécnico até ter que o morder para se pedir um desejo, existe nos aniversários todo um código de conduta bastante pouco seguro, que faz com que fazer anos seja um pouco como arriscar a vida. De facto, quando fazemos anos esticamos um bocado a corda logo desde o início, para ver se aquele ano vai mesmo ser o último. Aliás, o desejo que costumo pedir enquanto mordo as velas é o de não ser queimado vivo no meu próprio aniversário, enquanto os meus convidados comem farinha embutida em doses industriais de açúcar e cantam uma música alusiva à minha longevidade.
Pronto, por agora é tudo. Obrigado pela atenção, e parabéns a você!

Abreijo.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Incógnito de nascença.

Uma coisa que me tem vindo a preocupar cada vez mais é a eventualidade de vir a ter filhos. Não me preocupo tanto com o acto causal em si, porque essa área eu até domino relativamente bem. Aliás, todas as minhas parceiras sexuais até hoje elogiaram a minha capacidade argumentativa e deram-me nota vinte em criatividade. Preocupo-me mais, isso sim, com o tipo de criatura que vai ser expelida pelas zonas baixas da progenitora.
É que os nossos filhos são aquelas pessoas com as quais vamos ter que lidar durante o resto das nossas vidas, goste-se ou não. A menos que os deixemos ao lado do vidrão logo à saída do hospital, ou que eles nos coloquem no lixo indiferenciado quando chegada a velhice, os nossos filhos serão da nossa responsabilidade durante a vida toda. Se fomos nós que os colocamos no Mundo, já agora mais vale acatar com as consequências.
O que mais me inquieta é que fazer um filho não é, por exemplo, como fazer amigos: Os amigos nós podemos escolher, basta beber um copo juntos e partilhar um pires de tremoços para ter a certeza; a amizade dá-se quando conhecemos superficialmente alguém e escolhemos se queremos ou não lidar com essa pessoa mais a fundo. Já no caso dos filhos, não somos nós que escolhemos. Muitas das vezes, quem escolhe por nós até é o copo e o pires de tremoços, ambos em quantidade suficiente para despacharmos o serviço com a primeira pessoa do sexo oposto que nos aparecer à frente. E como não somos nós a escolher os filhos que nos calham, temos de nos sujeitar ao que nos sai na rifa! Há também quem os trate como uma colecção de cromos, e abra vários pacotes de três ou quatro unidades até encontrar uma que ainda não lhe tenha saído. Mas, para isso, mais vale fazer colecção de carros clássicos, que é capaz de ficar mais em conta.
É que o raio dos miúdos aparecem literalmente do nada, a meia-viagem da nossa já bastante trabalhada e planeada vida, e instalam-se ali no centro, sem sequer marcar reserva ou ter o cuidado de ligar de antevéspera para avisar. O primeiríssimo alerta que nos dão em relação à sua futura presença no cerne das nossas vidas é quando batem à porta do estômago da progenitora causando-lhe náuseas e vómitos. É desta forma deplorável que recebemos uma notícia de tamanho calibre, mas ninguém parece importar-se. Seria como se no fim de uma entrevista de emprego soubéssemos que fomos contratados devido ao facto do empregador nos ter enviado pelo correio uma marmita com os restos regurgitados do seu jantar.
Para além disso, aceitamos também que outro ser humano entre tão facilmente dentro na nossa companheira, quando nós próprios andamos em algum período das nossas vidas a investir uma carrada de tempo e de dinheiro só para conseguir galá-la. Há algo de profundamente injusto nisto.
Os nossos filhos podem vir a ser uns cretinos e uns completos estúpidos quando crescerem, mas a verdade é que vamos ter que os aturar. Por isso é que, conhecendo-me como conheço, tenho receio de vir a descobrir como vão ser os meus filhos...
Vale-me o facto de, com a vida que levo, não os vir a conhecer tão cedo.

Abreijo.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Encarnar na escrita.

Anos noventa.
Pronto, voltamos à minha infância. Fiquei bastante nostálgico, agora... Vêem aquele rapaz franzino ali ao fundo, a escrevinhar numa folha com uma caneta vermelha? Aquele sou eu. E porquê uma caneta vermelha, questionam-se as bonitas pessoas que estão a ler isto? Porque estou, no fundo, a tentar ser rebelde.
Nunca consegui ser verdadeiramente rebelde. Por muito que tentasse, ficava sempre aquém das expectativas. Os meus pais bem que me compravam skates e tentavam convencer-me a fazer beatbox, mas o máximo que consegui fazer com essas duas coisas foi molhar o chão com cuspo e despistar o veículo contra a parede do pavilhão da escola. De certa forma, acabou por ser o meu mais proeminente acto de rebeldia, porque a pintura branca daquela parede em particular nunca mais foi a mesma. Tomem lá!
Por isso, virei-me para as canetas vermelhas. Ou encarnadas. Todas as pessoas que tiveram o privilégio de ter canetas para escrever durante a infância tentaram, uma vez por outra, a sua sorte com a de cor vermelha. E percebe-se, porque, tal como os toiros, também nós os humanos nos sentimos atraídos por cores fortes e vibrantes. Aliás, aos mais cornudos até lhes dá para marrar, quer sejam toiros ou humanos.
Só que nunca nos deixaram escrever a vermelho! Esta é a triste realidade. Escrever a vermelho é, para os educadores, algo semelhante a desenhar na folha um pénis 3D tão pujante que é capaz de lhes vazar uma vista se olharem para ele de relance. Já os mesmos professores podem escrever a vermelho à vontade, porque por alguma razão os pénis deles não são assim tão nocivos para o bem-estar óptico dos seus alunos. Sim, esta é capaz de ser a frase mais estranha que já escrevi...
Ter uma caneta vermelha é como ter um carro desportivo: Só lhe damos uso lá de vez em quando, para dar uma voltinha e mostrar a toda a gente, mas nunca para viagens muito longas. Para isso, existem os carros mais baratinhos e menos dispendiosos, que no caso das canetas se traduzirão, provavelmente, na cor azul. A caneta azul é a mais banal de todas as canetas. É uma espécie de corta-unhas da escrita; é o piaçaba da sanita literária. Todos têm um em casa, e a família inteira usa o mesmo.
No fundo, eu até percebo o porquê de todo este desdém em relação à caneta vermelha. Durante anos, e ainda nos dias de hoje, tem-se vindo a associar a escrita a vermelho com algumas coisas menos positivas, como a iminência do perigo ou aquela prática comum de se escrever recadinhos com sangue. Não que o sangue em si seja uma coisa pouco positiva, porque a mim até me dá um certo jeito. Mas quando as pessoas se põem a escrever com ele nas paredes, acabam por transformá-lo em algo macabro e bastante difícil de limpar. Por causa disso, jurei a mim próprio nunca mais brincar com tampões usados nas casas-de-banho públicas. Agora deixo sempre o meu número de telemóvel em post-it's.
É altura de acabar com este estigma social! Escrever a vermelho não é sinónimo de desrespeito para com o leitor, é apenas um sinal de que ainda nos damos ao trabalho de escrever à mão. Nos dias que correm, isso até é bastante positivo! Vamos lá começar a dar uso às canetas vermelhas, porque tenho uma catrefada delas lá em casa ainda desde os tempos da escola e não sei como lhes dar vazão.

Abreijo.

sexta-feira, 21 de março de 2014

Rabiscadores compulsivos.

Já me acusaram várias vezes de ser um desmancha prazeres, e de nunca gostar de nada. O que se trata de uma escandalosa mentira, porque eu até sou fã de muitas coisas. Ouviste, mãe?! Pára lá com isso!
É verdade, sou um fã. E sou fã de várias coisas importantes, mas também de coisas estúpidas. Algumas são bastante úteis, outras nem lembram ao diabo. Senão, vejam: Por um lado, sou fã de seios; por outro, também sou fã daquela situação caricata em que um homem passa metade da noite a tentar libertar os seios da senhora do jugo opressor do seu sutiã. É uma causa muito nobre, nobríssima, e o elevado nível de dificuldade até lhe confere alguma piada. Talvez elas até façam de propósito para passarem um bom bocado, quem sabe...
Mas se há coisa da qual nunca hei-de ser fã, é de quem é fã em demasia. E quando é que uma pessoa chega a ser fã em demasia, perguntam vocês? Para mim, é quando começam a pedir autógrafos. Antes de evidenciar tudo o que há de mal com os autógrafos, vamos, primeiro, tentar dissecá-los... Ora, o que é, na verdade, um autógrafo? Um autógrafo não passa de um rabisco escrevinhado num papel que não é do artista, e feito com uma caneta que também não lhe pertence. Ou seja, é o próprio fã que lhe fornece o papel e caneta, e tudo o que o artista tem que fazer é dar um bocadinho ao pulso. Isto não é recordação que se apresente, meus caros, não se vendam por tão pouco... Quanto muito, a recordação que têm na mão é da Staples, que foi quem vos forneceu o material.
Aliás, o máximo de valor que podem retirar de um autógrafo é o facto de o artista ter tocado na vossa própria caneta, e não o raio de um papel com desenhos cavernícolas feitos à pressa. Ou, porventura, se ele vos tiver assinado os seios. Sim, eu sei que já aqui falei em seios... Mas, como toda a gente sabe, seios nunca são demais. Sejam mulheres ou sejam homens, podem sempre orgulhar-se do facto de um vosso herói qualquer vos ter (quase) tocado nas mamas. Uma coisa é ficarem contentes por vos terem tocado nas mamas, outra é ficarem contentes porque vos tocaram num papel!
A mim nunca me apanharão numa fila durante horas sem fim, apenas para me assinarem um papel. Se quisesse ter isso na minha vida, ia a uma repartição de finanças. Só consideraria essa hipótese caso a assinatura desse tal ídolo me desse algum privilégio, como o acesso a uma conta bancária recheada ou um aumento do abono de família. Mas se é só para mostrar aos outros que tenho um papel assinado, prefiro ver o espectáculo e vir-me logo embora.
Até porque, no outro dia, quando vocês chegarem triunfalmente à escola com um papel autografado na mão e o mostrarem arrogantemente aos vossos amigos, tudo o que eles vão conseguir responder é: "Boa... Olha, já topaste o rabo da stora de Matemática?"
Porque, no fundo, ninguém quer saber.

Abreijo.