segunda-feira, 7 de abril de 2014

Encarnar na escrita.

Anos noventa.
Pronto, voltamos à minha infância. Fiquei bastante nostálgico, agora... Vêem aquele rapaz franzino ali ao fundo, a escrevinhar numa folha com uma caneta vermelha? Aquele sou eu. E porquê uma caneta vermelha, questionam-se as bonitas pessoas que estão a ler isto? Porque estou, no fundo, a tentar ser rebelde.
Nunca consegui ser verdadeiramente rebelde. Por muito que tentasse, ficava sempre aquém das expectativas. Os meus pais bem que me compravam skates e tentavam convencer-me a fazer beatbox, mas o máximo que consegui fazer com essas duas coisas foi molhar o chão com cuspo e despistar o veículo contra a parede do pavilhão da escola. De certa forma, acabou por ser o meu mais proeminente acto de rebeldia, porque a pintura branca daquela parede em particular nunca mais foi a mesma. Tomem lá!
Por isso, virei-me para as canetas vermelhas. Ou encarnadas. Todas as pessoas que tiveram o privilégio de ter canetas para escrever durante a infância tentaram, uma vez por outra, a sua sorte com a de cor vermelha. E percebe-se, porque, tal como os toiros, também nós os humanos nos sentimos atraídos por cores fortes e vibrantes. Aliás, aos mais cornudos até lhes dá para marrar, quer sejam toiros ou humanos.
Só que nunca nos deixaram escrever a vermelho! Esta é a triste realidade. Escrever a vermelho é, para os educadores, algo semelhante a desenhar na folha um pénis 3D tão pujante que é capaz de lhes vazar uma vista se olharem para ele de relance. Já os mesmos professores podem escrever a vermelho à vontade, porque por alguma razão os pénis deles não são assim tão nocivos para o bem-estar óptico dos seus alunos. Sim, esta é capaz de ser a frase mais estranha que já escrevi...
Ter uma caneta vermelha é como ter um carro desportivo: Só lhe damos uso lá de vez em quando, para dar uma voltinha e mostrar a toda a gente, mas nunca para viagens muito longas. Para isso, existem os carros mais baratinhos e menos dispendiosos, que no caso das canetas se traduzirão, provavelmente, na cor azul. A caneta azul é a mais banal de todas as canetas. É uma espécie de corta-unhas da escrita; é o piaçaba da sanita literária. Todos têm um em casa, e a família inteira usa o mesmo.
No fundo, eu até percebo o porquê de todo este desdém em relação à caneta vermelha. Durante anos, e ainda nos dias de hoje, tem-se vindo a associar a escrita a vermelho com algumas coisas menos positivas, como a iminência do perigo ou aquela prática comum de se escrever recadinhos com sangue. Não que o sangue em si seja uma coisa pouco positiva, porque a mim até me dá um certo jeito. Mas quando as pessoas se põem a escrever com ele nas paredes, acabam por transformá-lo em algo macabro e bastante difícil de limpar. Por causa disso, jurei a mim próprio nunca mais brincar com tampões usados nas casas-de-banho públicas. Agora deixo sempre o meu número de telemóvel em post-it's.
É altura de acabar com este estigma social! Escrever a vermelho não é sinónimo de desrespeito para com o leitor, é apenas um sinal de que ainda nos damos ao trabalho de escrever à mão. Nos dias que correm, isso até é bastante positivo! Vamos lá começar a dar uso às canetas vermelhas, porque tenho uma catrefada delas lá em casa ainda desde os tempos da escola e não sei como lhes dar vazão.

Abreijo.

Sem comentários:

Enviar um comentário

A cada comentário morre uma criança em África, relativamente a cenas.
Veja lá o que vai fazer.