sexta-feira, 1 de agosto de 2014

A nobre arte do arroto.

Se há família unida, é a minha. Não falo em termos de junções corporais, do género siamês, pegados pelas ancas, nem sequer em termos sentimentais. Eu, por exemplo, estou sempre a discutir com o meu cão. Embora ele seja mais de ladrar.
No que a minha família se mostra verdadeiramente unida é nos hábitos e nos costumes. Com efeito, no meu agregado familiar, quatro de cinco pessoas não conseguem arrotar. É um impedimento estúpido de se ter, bem sei, mas demonstra na perfeição a nossa profunda sintonia. A única que não está bem sintonizada é a minha mãe, porque consegue realmente arrotar, mas de qualquer forma eu sempre desconfiei que ela fosse mãe do padeiro. Espera, isto assim não funciona...
No fundo, somos um conjunto de pessoas extremamente bem-educadas à mesa, mas por razões que lhes são alheias. É como se estivéssemos a ser forçados a ter bons modos por uma qualquer entidade de etiqueta invisível. Menos a minha mãe, lá está, que essa é só javardona.
O que poderia ser considerado positivo, no entanto, acaba por ser algo incómodo e até relativamente nocivo. Isto porque o ser humano não foi criado para acumular gazes, tipo botija, e até a botija tem válvulas que lhe vão dando algum vagar. É por isso que, às vezes, gostava de ter nascido mais javardo, como a minha mãe, para poder ter uma válvula que não me deixasse afrontado cada vez que comesse uma colherada a mais de sopa de nabiça. E perguntam vocês: "Querias ser ainda mais javardo do que já és?"; e eu respondo-vos: "Não sejam parvos. E eu nem sequer gosto de sopa de nabiça."
É por causa desta absurda impossibilidade fisiológica que quando os membros da minha família bebem bebidas com gás ficam inchados como se fossem um pequeno cardume de peixes-balão. E eu até gosto de peixe, para variar um bocado da carne, mas nunca me imaginei nas escamas de um. Para além disso, já provei fitoplâncton e não gostei, é muito salgado.
E quando eu era miúdo, não arrotava? Claro que sim, e reparem que já começo a falar sozinho. Segundo a minha mãe, quando eu tinha cerca de três palmos era um campeão do arroto! Entretanto, pelos vistos, fui perdendo o fulgor. Talvez me tenha lesionado nos treinos, sei lá, depois de um dia especialmente intensivo a comer papas e puré de maçã. A partir daí, nunca mais consegui competir em arrotos com o bebé da vizinha do lado. O gajo era mesmo bom naquilo!
Pronto, tudo isto para que o caríssimo leitor fique a par de um aspecto especialmente interessante da minha vida, e da vida dos meus familiares. Mas não lhes diga que eu contei isto, que eles ficam chateados. Principalmente a javarda da minha mãe.

Abreijo.

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