terça-feira, 24 de junho de 2014

Friezas de estação.

Agora que o Verão se está a aproximar ou não, dependendo da altura do ano em que estão a ler isto , temos que discutir um assunto bastante sério e que preocupa muitas pessoas que, como eu, gostam de manter um certo nível de ordem social no seu bairro. Aproveito para chamar principalmente a atenção dos vendedores de gelados deste país, porque o que se segue diz respeito a alguns dos seus clientes.
Expliquem-me o seguinte: Quem é que, no seu perfeito juízo, recusa um gelado de cone em favor de um gelado de copo? Até há bem pouco tempo, costumava ver pessoas na rua a comer gelados à colher e tinha pena deles, pois provavelmente ter-se-iam dirigido a um estabelecimento comercial que só vendia gelados envoltos em plástico. Só que, ao que vim a saber, pelos vistos a maior parte dessas pessoas escolhe mesmo comer o gelado num copo, apesar de ter à disposição um cone de bolacha também ele comestível, ao contrário do copo de plástico que não dá jeito sequer para petiscar. Ainda assim, eu tinha um primo que era um bocado parvo e comia plástico. Tinha, note-se.
Quando vejo pessoas, como o meu primo, a pedir um gelado de copo tendo à disposição cones de bolacha, costumo perguntar-lhes se não tiveram infância. E elas, envergonhadas, como é óbvio, tendem a não me responder, ou a lançar-me apenas um ligeiro "Vá-se f*der, pá!" Gente estranha, esta. Mas tratam-me por você, e eu gosto de respeito. É que, havendo a hipótese de um cone de bolacha, é óbvio que as pessoas devem pedi-lo! Não o fazer é o mesmo que cortar definitivamente os laços com os tempos de juventude, o que eu, eterno imaturo, ainda não estou preparado para fazer. Pedir um gelado de copo é o mesmo que desejar ter uma vida sem sonhos, ou ir a uma feira medieval e os cavalos terem sido substituídos por trotinetas. Dá um outro aspeto visual, é certo, mas não é àquilo que estamos habituados.
Mais, o gelado de cone é amigo do ambiente! Não resta nada para contar a história. Já o gelado de copo é um vil poluidor, pois metade daquilo por que pagamos acaba no lixo. É dinheiro mal gasto. Aposto que quem faz isto também não tem paz de alma suficiente para colocar a embalagem na reciclagem, pois devem ser pessoas destroçadas no seu interior e eternamente mal com a vida. Se, em África, alguns meninos soubessem que nós andamos aqui a escolher comer um único produto pelo mesmo preço de comer dois produtos diferentes, dava-lhes para rir. Até chegar um leão, depois teriam que começar a correr. Rir e correr ao mesmo tempo não dá jeito. Pronto pronto, eu deixo de ser racista... Bem sei que nem todos os leões são africanos.
Sim, é verdade que os gelados de cone derretem e começam a pingar-nos para as mãos, obrigando-nos a lamber tudo à volta como uma actriz pornográfica em início de carreira. Também é verdade que não parecemos muito dignos quando o abocanhamos, mais uma vez, como uma actriz pornográfica em início de carreira. Mas são parte da nossa infância, tal como as actrizes pornográficas, e devíamos agarrar-nos a isso com todas as nossas forças. O gelado de copo pode ser mais prático, porque inclui uma colher, mas ao mesmo tempo não nos permite ser javardos. E a vida, no fundo, é feita de javardice. Nós próprios fomos concepcionados num clima de pura javardice. Era muito difícil a minha mãe conseguir engravidar só com uma colher.
Com tudo isto, concluo que existe um lugar reservado no Inferno para dois tipos de pessoas: Actrizes pornográficas já em fim de carreira e pessoas que recusam gelados de cone. E as primeiras, com jeitinho e alguma técnica, ainda se conseguem safar.

Abreijo.

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