sexta-feira, 21 de março de 2014

Rabiscadores compulsivos.

Já me acusaram várias vezes de ser um desmancha prazeres, e de nunca gostar de nada. O que se trata de uma escandalosa mentira, porque eu até sou fã de muitas coisas. Ouviste, mãe?! Pára lá com isso!
É verdade, sou um fã. E sou fã de várias coisas importantes, mas também de coisas estúpidas. Algumas são bastante úteis, outras nem lembram ao diabo. Senão, vejam: Por um lado, sou fã de seios; por outro, também sou fã daquela situação caricata em que um homem passa metade da noite a tentar libertar os seios da senhora do jugo opressor do seu sutiã. É uma causa muito nobre, nobríssima, e o elevado nível de dificuldade até lhe confere alguma piada. Talvez elas até façam de propósito para passarem um bom bocado, quem sabe...
Mas se há coisa da qual nunca hei-de ser fã, é de quem é fã em demasia. E quando é que uma pessoa chega a ser fã em demasia, perguntam vocês? Para mim, é quando começam a pedir autógrafos. Antes de evidenciar tudo o que há de mal com os autógrafos, vamos, primeiro, tentar dissecá-los... Ora, o que é, na verdade, um autógrafo? Um autógrafo não passa de um rabisco escrevinhado num papel que não é do artista, e feito com uma caneta que também não lhe pertence. Ou seja, é o próprio fã que lhe fornece o papel e caneta, e tudo o que o artista tem que fazer é dar um bocadinho ao pulso. Isto não é recordação que se apresente, meus caros, não se vendam por tão pouco... Quanto muito, a recordação que têm na mão é da Staples, que foi quem vos forneceu o material.
Aliás, o máximo de valor que podem retirar de um autógrafo é o facto de o artista ter tocado na vossa própria caneta, e não o raio de um papel com desenhos cavernícolas feitos à pressa. Ou, porventura, se ele vos tiver assinado os seios. Sim, eu sei que já aqui falei em seios... Mas, como toda a gente sabe, seios nunca são demais. Sejam mulheres ou sejam homens, podem sempre orgulhar-se do facto de um vosso herói qualquer vos ter (quase) tocado nas mamas. Uma coisa é ficarem contentes por vos terem tocado nas mamas, outra é ficarem contentes porque vos tocaram num papel!
A mim nunca me apanharão numa fila durante horas sem fim, apenas para me assinarem um papel. Se quisesse ter isso na minha vida, ia a uma repartição de finanças. Só consideraria essa hipótese caso a assinatura desse tal ídolo me desse algum privilégio, como o acesso a uma conta bancária recheada ou um aumento do abono de família. Mas se é só para mostrar aos outros que tenho um papel assinado, prefiro ver o espectáculo e vir-me logo embora.
Até porque, no outro dia, quando vocês chegarem triunfalmente à escola com um papel autografado na mão e o mostrarem arrogantemente aos vossos amigos, tudo o que eles vão conseguir responder é: "Boa... Olha, já topaste o rabo da stora de Matemática?"
Porque, no fundo, ninguém quer saber.

Abreijo.

quarta-feira, 19 de março de 2014

Pequenos seres diminutos.

Este textinho que estou a escrever é especialmente dedicado ao leitor que pariu recentemente um filho, ou que pelo menos contribuiu para o acto de parição. E digo "textinho" para ir ao encontro do vosso próprio linguajar, porque eu gosto de me adaptar ao ambiente em que me encontro. É por isso que, todos os dias, como um bom punhado de milho seco e choco um ou dois ovos, dependendo da intensidade do calor. Para quem não percebeu a piada, vivo num galinheiro.
Que os bebés são pequenos, pelo menos quando comparados com as crias de uma mãe mamute (leiam esta última parte em voz alta), por exemplo, já toda a gente sabe. Mas que os pais ficam quase do tamanho dos bebés, pelo menos em termos de mentalidade, é que já não está ao alcance da compreensão de toda a gente. O objectivo dos babados progenitores é, geralmente, simplificar, mas a maior parte das vezes o tiro sai-lhes pela culatra. Um pai que me diga que o seu filho tem dezasseis semanas, obriga-me a ter que calcular que dezasseis semanas são quatro meses. E eu nem gosto de calcular, de todo, principalmente quando ambos sabemos que há uma outra forma mais fácil de o cavalheiro se fazer entender. Chegamos ao ridículo de ter pais que se gabam de o seu rebento ter vinte e quatro meses, quando podia mais facilmente dizer que tem dois anos! E isto para quê? Para perpetuar a ideia de que o pequeno ainda é um jovem, e que está ali para as curvas? Isso já nós sabemos, que raio, é um bebé! Não estarão a reflectir nos vossos filhos as vossas próprias frustrações cronológicas, seus cotas?
Outra coisa: Se eu tomo banho embora poucas vezes, é certo , porque é que os vossos filhos tomam banhinho? Se eu bebo leite e como fruta, porque é que as vossas miniaturas de gente têm que beber leitinho e comer frutinha? Não temos todos os mesmos direitos? Então para quê todos estes diminutivos verbais? A mim não me deixam comer papinhas, porque pelos vistos já sou muito grande e só posso comer papas. Mas onde é que isso está escrito?! Também a minha indumentária passou de roupinha para roupa, porventura para acompanhar o meu crescimento. Em relação ao vosso pirralho, vocês têm mil cuidados com a cabecinha; já eu, posso rachar a cabeça num tronco de lenha especialmente rijo que ninguém se importa, só me perguntam se cortei o suficiente para, pelo menos, refrescar a lareira.
Não é justa, esta diferença de tratamentos. E nem sequer é coesa, diga-se de passagem... Porque, vejamos: Um copinho pode ser um copo, mas uma palhinha não é uma palha. Ninguém manda o filho ir buscar palha, nos dias de hoje. Antigamente sim, mas era para alimentar os animais, e não os filhos. Uma palhinha será sempre uma palhinha, independentemente da idade do usuário. Avós e netos podem partilhar palhinhas, embora não seja sanitário; e talvez seja um bocado estranho, até... Mas o certo é que podem, independentemente do facto de um ter rugas por ainda ter peles para encher e de o outro ter rugas por já ter as peles a descair.
Fiquem com esta imagem. E que não me caia um "dentinho", com a graçola.

Abreijo.

terça-feira, 11 de março de 2014

Guinchos e cantigas.

Um dia imaginei a minha vida sem música, e não gostei. Os meus duches tornar-se-iam aborrecidos e, muito provavelmente, teria finalmente que comprar uma daquelas esponjas feitas numa espécie de rede de pesca abichanada para me entreter, e para apimentar a minha relação com a água doce. Também conseguiria chegar mais facilmente às zonas difíceis, o que é sempre positivo. As minhas costas, por exemplo, já não são bem esfregadas desde que deixaram de me dar banho. Já tentei convencer a minha mãe a dar-lhes uma boa ensaboadela, em honra dos bons velhos tempos, mas hoje em dia ela já só acha estranho, e com alguma razão.
Por isso, sim, eu gosto bastante de música! E até sou bastante receptível a novas sonoridades, sejam-me elas apresentadas pelos meus pares ou pelos artistas extravagantes das estações de metro. No entanto, torna-se difícil ser adepto de novas sonoridades quando a própria pessoa que nos tenta apresentar a sonoridade não nos deixa sê-lo. Falo, pois claro, daqueles indivíduos que tentam impingir determinadas músicas aos outros, mas que se põem a cantar ao mesmo tempo que o artista.
Gente, eu percebo o vosso entusiasmo, juro que percebo! Mas se não se calarem, estão a auto-boicotar-se. Quando me aconselham a ouvir determinada música e depois se põem a cantarolar os vocais ao mesmo tempo, eu não consigo apreciar devidamente a música. E eu até sou uma pessoa que gosta de apreciar devidamente coisas, desde rabos a espectáculos de dança contemporânea. Depois, temos ainda as pessoas que, não satisfeitas com a nobre arte de cantar por cima dos coros das músicas, ainda trauteiam o instrumental, e guincham os solos de guitarra. E, no fim, perguntam: "É fixe, não é?"; ao que eu respondo: "Não faço ideia, só vim aqui para pedir uma xícara de açúcar à tua mulher. Ela está?"
Conheço bem o entusiasmo que a música provoca, embora dos milhares de instrumentos que existem no Mundo, eu só saiba tocar um. E não, não é o meu pénis, antes que comecem com piadas. Mas não se conseguem conter durante uns míseros quatro minutos (ou sete, se o artista tiver um fraco poder de síntese), para eu conseguir ouvir o raio da música até ao fim? É que a música até pode ser especialmente bonita, mas com alguém a guinchar-ma ao ouvido ao mesmo tempo dá logo para desgostar.
Como se sentiriam se, por exemplo, eu vos recomendasse um restaurante e passasse uma refeição inteira a trincar a vossa comida e a dizer: "É bom, não é?", para depois no fim não chegarem a comer nada? Ou se vos apresentasse uma amiga toda boa, por já ter pena de vos ver há tanto tempo solteiros e com as costas por esfregar, e passasse o encontro todo a apalpá-la e a demonstrar o quão talentosa ela é na arte do felácio?
Se uma música for assim tão boa como dizem, decerto que as suas qualidades falarão por si. Não é preciso estarem a gritar-me a letra toda por cima do ombro, independentemente do número de cartazes com a cara do artista que usaram para forrar as paredes do vosso quarto.

Abreijo.

sábado, 8 de março de 2014

Liso e complicado.

Bem sei que me imaginam como um velho sabujo do mar, com a barba esbranquiçada pelo avançar dos anos e por resquícios de ressalga de outros tempos. Mas tal como todos os sabujos, a minha sabujice, por muito vasta que seja, não consegue alcançar todos os campos do conhecimento. Há, em mim, um delineamento de limites involuntário, mas necessário, que me impede de ter uma compreensão enciclopédica acerca de, por exemplo, atributos de champôs.
Isto tudo para dizer que não me entendo com as embalagens dos champôs, pronto. Ou melhor, até já me consigo entender mais ou menos, mas até há bem pouco tempo não conseguia. Na minha mente algo simples e ingénua de outros tempos dois ou três meses, aproximadamente eu pensava que, por exemplo, um champô para cabelos "lisos e sedosos" só servia a quem já tinha cabelos lisos e sedosos, e gostaria de os manter. No entanto, ao que parece, este tipo de champôs destina-se mais a quem não tem cabelos que se enquadram nesse formato, mas gostaria de vir a ter! E foi com esta súbita realização que o Mundo passou a fazer muito mais sentido, não só o mundo da centrifugação capilar com recurso a produtos químicos vendidos em frascos, mas o Mundo em geral.
Realmente, e agora que reflicto bem sobre este sistema de caracterização de champôs, faz mais sentido que assim seja. Senão, vejamos: Se só as pessoas com cabelo "saudável e brilhante" comprassem champôs para cabelos saudáveis e brilhantes, então só se vendiam um ou dois frascos a cada três meses. Pelo menos a julgar pela minha rua, que é composta maioritariamente por cabeleiras de meia-idade e já com poucas tenções de tentar impressionar alguém. Assim, teríamos uma indústria tremendamente fragmentada, onde cada pessoa apenas adquiria o champô que mais se adequasse ao seu tipo de cabelo.
Mas, esperem... Então para quê os champôs para cabelos "oleosos", "secos" ou "espigados"? Serão para quem não tem e gostaria de ter vá-se lá saber porquê , ou para quem já tem cabelos oleosos, secos ou espigados? Vêem, estou confuso outra vez! E com isto lá vão três meses de intensa meditação pelo ralo abaixo; e alguns cabelos, porque quando eu medito intensamente vou-lhes dando puxões.
Torna-se óbvio, portanto, que a indústria dos champôs anda repleta de mentiras. Uma vez, por exemplo, experimentei um champô "caracóis perfeitos" e meu cabelo continuou liso, sem sequer um canudinho se formar. Logo aqui se vê o nível de trapaça e de engano a que estamos sujeitos. Num outro episódio, quando era pequeno, fiquei a dormir em casa de um primo meu. À noite, quando fui tomar duche, vi que o meu tio, solteiro, tinha comprado um champô contra o "excesso de oleosidade". Ora, o meu tio é careca... Quanta oleosidade terá ele, realmente, para justificar a compra de um champô com aquelas características? E se ele usasse um champô contra a queda de cabelo, voltaria a ser cabeludo?
Um dos poucos champôs que é claro e conciso ao ditar o propósito da sua missão é o "anti-caspa". Com um champô anti-caspa, sabemos sempre o que esperar: Estará ali para devolver ao cabelo o seu brilho natural? Não, com certeza. Estará ali para dar mais volume e vida ao seu cabelo, seja lá o que isso significa? Claro que não, ora! O champô anti-caspa está ali, muito simplesmente, para dar um grande chuto no minúsculo rabo da caspa e atirá-la borda fora. Ponto.
E, desde que faça bem o seu trabalho, por mim está óptimo.

Abreijo.