terça-feira, 9 de dezembro de 2014

As mãos das mães.

Se estão a ler isto no Dia da Mãe, então estão na época correcta e podem continuar a ler. Se não estiverem, o que eu até percebo porque as probabilidades são bastante baixas - uma em 365 (ou 366, se for ano bissexto) -, fechem qualquer que seja o suporte através do qual estão a ler isto e voltem só a abrir no dia correcto.
Vá, até breve!


Pronto. Agora que chegou o dia, vamos falar sobre mães. Já aqui falei da minha, e continuo-lhe extremamente grato por me ter parido. Parecendo que não, ainda lhe deu algum trabalho, principalmente na zona da genitália.
Tenho de admitir uma coisa: A minha mãe é uma super-heroína! A minha e, desconfio que, todas, porque aquilo de que vos vou falar agora é transversal a todas as senhoras que já puseram no Mundo algum rebento. É o seguinte: A capacidade que a minha mãe tem para pegar e manusear coisas quentes não é deste planeta. As mãos da minha mãe estão tão calejadas que desconfio que, para ela, as luvas de forno sejam um mero acessório de moda. Aquilo nem lhe chega a ser útil, apenas fica bem com aquela echarpe bege que comprou quando foi passar umas férias de Verão ao deserto do Saara.
É que, para provar uma refeição, a maioria das mães nem precisa de colher-de-pau: Põe a mão dentro da panela e tira um punhado do que quer que esteja a cozinhar. Se for sopa, faz uma conchinha com a mão e até dá a provar aos outros, que vão imediatamente para as urgências com queimaduras de segundo grau e bolhas de pus nas paredes interiores do estômago. Para a minha mãe, a comida nunca estava quente, eu é que era um mariquinhas. O que não deixava de ser verdade, embora a comida estivesse, efectivamente, quente...
Uma vez, propus à minha mãe uma sessão de manicura para me certificar de que ela ainda tinha mãos de carne e osso, e que não as tinha perdido um dia quando me estava a mudar a fralda, ou assim. Não só descobri que era muito bom a pintar unhas como também acabei por levar um estalo, porque ela não gostou dos Monets que eu lhe desenhei. Em suma, concluí que ela tinha umas mãos normais mas muito, muito pesadas.
Não quero, de todo, entrar naquelas brigas de crianças de "O meu pai é mais forte que o teu!", ou, "O meu avô come mais gajas do que o teu tio, que até faz da prostituição um estilo de vida!". Mas tenho a certeza de que a minha mãe era capaz de extinguir um vulcão activo atirando a lava ainda quente para dentro da caldeira vulcânica com as suas próprias mãos, sufocando-o. Tudo isto num dia de semana, enquanto via a novela.
No fundo, o que eu quero dizer é: A minha mãe é melhor do que a vossa, nhê nhê nhê, nhê nhê, nhê!
Raios, eu prometi que não ia fazer isto...

Abreijo.

sábado, 8 de novembro de 2014

Parabéns a vocês, meus bandalhos.

Pronto, acabou! Hão-de ter paciência, mas acabou... Estou farto, isto assim não pode continuar. Enquanto não pararem com estas brincadeiras, eu não faço mais anos. Não me interessa se fico na casa dos vinte indefinidamente, nem se nunca terei o prazer de gozar a reforma ou, até, de realizar uma colonoscopia. Já ouvi dizer que aquilo é melhor do que se pensa.
Já aqui falei da temática "bolo de aniversário", e desta vez o meu problema é com o que se põe em cima dele. A cobertura diabética? Não. As rosas, begónias e outras flores de massapão? Nem por isso. Quero acertar contas, isso sim, com as velas. E não é com as velas normais, porque essas até dão jeito quando falta a luz e antigamente até eram indispensáveis para quem desejava ver alguma coisa debaixo dos lençóis.
Vou contar-vos uma história: Quando eu era pequeno, tinha medo de fazer anos. Acordava suado, com tremores e sem apetite. Aos desejos de bom dia da minha família, eu respondia com um sorriso amarelo e um "Vão-se lixar!" mental, porque já sabia o que me esperava dali a algumas horas. Passava o dia todo a fazer cara feia para os meus colegas e professores, se calhasse em dia de escola, e para a minha almofada caso fosse fim-de-semana. Até podia jurar que, uma vez, a minha almofada me respondeu com um pirete. Já os meus professores, só me respondiam com socos nas têmporas. Enfim, eram tempos mais meigos...
Ao fim do dia, lá chegava o malfadado momento da festa de aniversário. Era nesta altura que o meu mau-humor atingia picos assustadoramente altos para um miúdo da minha idade, fosse ela qual fosse. Entrava pela sala onde estava o bolo, e toda a minha família, com a mesma camada de nervos com que um pugilista amador deve entrar ao enfrentar o campeão do Mundo de pesos pesados. E era aí que eu as via, compridas e esguias... Duas estacas de tortura em cima de um pedaço de massa colorido.
Finalmente, depois da musiquinha típica, lá tinha eu que lhes soprar. E soprava. E o Mundo abrandava à minha volta, o som tornava-se grave e abafado nos míseros segundos em que aqueles dois paus se mantinham às escuras. Depois voltavam a acender-se aos poucos, preguiçosos e gozões. E eu apagava outra vez, ou pelo menos pensava que sim. E eles voltavam a acender-se, podia jurar que com ainda mais força. Depois juntava-se outro membro da família para me ajudar, e aumentava o meu sentimento de impotência e inutilidade. Quando, finalmente, as velas se apagavam, todo eu era insegurança, compactada dentro de um miúdo de [inserir idade aqui] anos.
Isto tudo para dizer que eu, no fundo, não gosto de fazer figura de parvo. Muito menos no dia do meu aniversário. Por isso é que odiava essas tais velas que se voltavam a acender sozinhas, e odiava todas as pessoas responsáveis por trazer aquela monstruosidade para o conforto do meu lar. Aquilo não é divertido quando somos pequenos, meus caros, aquilo é tortura! Só os adultos à volta, os mirones da festa, é que se divertem ao ver a nossa triste figura.
No fundo, trata-se de entretenimento gratuito às custas de uma criança. E para isso já temos os primeiros passos, as primeiras palavras mal ditas e as primeiras bebedeiras de leite com creme de whisky. Não precisamos de a achincalhar no seu próprio dia de anos.

Abreijo.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

A mal-amada sétima arte.

Ora viva! Comecemos com uma declaração chocante: Eu não gosto de cinema.
Pronto, agora que já vos choquei, isso também não é bem assim. Quer dizer, eu até gosto de cinema, só não gosto é de ver filmes. Quer dizer, eu até gosto de ver filmes, mas não os consigo ver. E não é por impossibilidade de meios, até porque cinemas há muitos, leitores de DVD também e, vá lá, sejamos honestos, Internet.
Só não consigo ver filmes por uma limitação pessoal. É que são muito longos e, ao mesmo tempo, muito curtos. Sim, tirei o dia para vos fazer a cabeça em água... Este é um dilema que já me acompanha há vários anos, desde que descobri a magia das séries televisivas; esses pedaços pontuais de perdição e loucura videográfica... Peço desculpa, estava a pensar em pornografia.
Se eu vir um filme, por exemplo, no computador, pauso-o várias vezes para ir ver o email, para verificar o estado actual das redes sociais, para ir à casa-de-banho, para ir tratar do cão e, até, certa vez, para ir lavar a loiça. E faço isso não por obrigação, mas porque não consigo ver uma, duas ou até mesmo três horas seguidas de qualquer coisa sem ter que fazer uma pausa. Uma vez, uma namorada minha obrigou-me a olhá-la de lingerie durante apenas meia-hora, e passados dez minutos já eu estava a jogar às cartas com o meu sogro. Numa outra sala, claro...
E vocês argumentam: "Então vai ver ao cinema, meu palhaço!" E eu respondo: Palhaço não, que ainda não acabei a formação. Mas é inútil, também no próprio cinema tento sempre encontrar desculpas para que haja pequenas pausas no filme. Ou se me acabam as pipocas, ou se me acaba o sumo, ou se acabam as pipocas e o sumo da pessoa ao meu lado; ou se me dá vontade de ir urinar, ou se dá vontade de urinar à pessoa ao meu lado... Enfim, sou uma pessoa muito prestável e altruísta.
E, no entanto, apesar do muito tempo que demora um filme a terminar, a verdade é que o tamanho e a desenvoltura da história nunca me satisfazem. Acho sempre que ficaram coisas por contar, fico sempre à espera de um novo episódio na semana seguinte. Por isso é que, para mim, as séries televisivas são perfeitas, pois são cozinhadas numa rica e longa história e temperadas com várias pausas intercaladas, formando a dose, o aroma e a textura perfeitos.
Por isso, meus caros, deixem lá de me crucificar todas as vezes que digo que não sou fã de cinema. Não é por ele não ser bom, que às vezes até o é, mas sim porque tenho problemas de atenção.
No fundo, tenho uma forma estranha de hiperactividade, que é aquilo que, antigamente, se chamava só de má-criação.

Abreijo.

sábado, 16 de agosto de 2014

O Mundo segundo algumas pessoas.

Cerca de 7.000 biliões de habitantes literalmente, mais pessoa menos pessoa , 6.371 km de raio e 510.000.000 km² de superfície. Isto podia ser a descrição do meu pénis, mas não é. Nunca conseguiria alimentar tanta gente. Na verdade, isto é a descrição do planeta Terra, aquela bola azul gigante a que nos vamos agarrando ao longo das nossas vidas para não cair. E, no entanto, mesmo tendo conhecimento destas dimensões, ainda há quem tenha o desplante de afirmar que "o Mundo é mesmo pequeno".
Você não se esconda, caro leitor, que eu estou a ver os seus pés aí por debaixo da cortina. É altura de encarar a realidade e enfrentar as consequências dos seus actos verbais. Eu sei, com garantida certeza, que o leitor já se viu na situação de encontrar uma pessoa conhecida numa zona remota e de afirmar, bacocamente, qualquer variante de: "Engraçado, o Mundo é mesmo pequeno!" Ai o Mundo é pequeno?! Mas você já viu bem o Mundo? Isto é grande com'ó caraças! Eu até nem sou de casas grandes, mas aqui o Mundo encheu-me o olho porque tem umas assoalhadas robustas e que aguentam bem o peso dos móveis que eu trouxe da casa antiga... Que era, tipo, Marte, ou, sei lá. Para efeitos de comicidade, fica Marte.
De facto, o Mundo é capaz de ser das maiores coisas que já vi na vida, de perto. Dizem-me que o Sol é maior, mas ainda não tive oportunidade de lá ir fazer uma visita. Talvez no próximo Verão, porque dizem-me que aquilo é bom é no aperto do calor. Deve ter boas praias, ou assim...
Claro, à escala do Universo inteiro é facto que não passamos de um micróbio especialmente chato; mas à nossa escala individual, este planeta chega ainda a constituir um espaço bastante satisfatório. Tanto que, desde que me mudei para cá, nunca mais de cá saí. Sou uma pessoa muito caseira, eu.
Ainda para mais, encontrarem um outro ser humano num espaço público qualquer não é algo assim tão inédito. Indédito seria encontrarem o vosso furão ou a vossa iguana numa floresta do interior de África, sabendo que esses animais ainda não desenvolveram meios de locomoção mecânicos. Para quem tem um avião ou um barco, fica mais fácil encontrar pessoas conhecidas noutra parte do Mundo.
É que, ao longo da História, muita gente trabalhou e batalhou, até literalmente, para conseguirmos obter uma representação mais ou menos fiel da escala global. Vamos agora questionar todas estas concepções que temos vindo a fazer acerca do Mundo ao longo dos séculos só porque você reencontrou a sua tia-avó americana numa largada de toiros em Espanha enquanto o toiro lhe afagava violentamente uma coxa com o corno e decidiu que o Mundo, afinal, é mesmo pequeno? Tenha paciência, o egocentrismo fica-lhe muito mal. A mim até fica bem, como tudo aliás, mas a você nem por isso.
E pronto, basicamente era isto. Até logo, depois havemos de combinar um cafezinho.

Abreijo.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Assobiadelas em construção.

Olá, pessoas bonitas! Quer dizer... Olá pessoas. Pronto.
Quem é que aqui sabe assobiar? É aquela coisa que envolve fazer um biquinho com os lábios e que não mete objectos fálicos nem câmaras fotográficas ao barulho. Agora, quem é que sabe assentar tijolo? É aquela coisa que ninguém quer ter que fazer, mas que tem sempre que calhar a alguns. Pois bem, se responderam de forma positiva a estas duas questões, há fortes possibilidades de vocês serem trolhas. E ainda bem, porque era mesmo com vocês que eu queria falar.
Eu tenho bastante apreço pela vossa labuta, a sério que sim. Mas a inovação é uma coisa necessária e até aconselhável praticamente em todos os trabalhos - excepto na venda de antiguidades -, e tenho sempre a ideia de que vocês não estão a inovar o suficiente. E a humanidade necessita da vossa inovação, por exemplo, no que diz respeito a dirigir assobios para gajas boas. Digam-me lá, há quantos anos usam o mesmo assobio para mostrar agrado em relação à constituição física de uma determinada pessoa? Todos sabemos de que assobio estou a falar, aquele "fui-fuiu!" a descair para o curto, mas com muita personalidade.
No fundo, somos todos um bocado trolhas, porque em todo o Mundo se recorre a um assobio idêntico. Já no que diz respeito aos piropos, somos uns artistas: "Ralava-te uma sopa de grelo com a minha varinha mágica!" e "A tua mãe merece a carta de piloto, porque não deve ser fácil parir um avião!" são verdadeiras obras de arte do mundo da construção civil, e da urbe no geral. Já a costumeira sonoridade do tal assobio torna-se repetitiva ao fim das primeiras, vá lá, duas décadas. Se ainda não estão convencidos - o que, desde já, demonstra alguma teimosia da vossa parte -, imaginem lá um Mundo onde os trolhas mandam sempre o mesmo piropo. É algo estranho, e até contranatura, não é?
Sim, se há coisa em que os trolhas são originais, para além de encontrar novos meios para esticar a factura, é nos piropos. E se o assobio é, no fundo, um piropo, então porque não variá-lo? Porque é que não começamos a assobiar uma das sinfonias de Beethoven quando vemos uma miúda gira? Uma qualquer, elas também não são esquisitas. Ganha-se em originalidade e em probabilidade de as engatar, porque ficarão a pensar que somos indivíduos com classe quando, na verdade, somos umas bestas. Quer dizer, eu não, mas vocês sim.
Pensem nisto, reflictam bem na vossa conduta piropeira. Se tiverem dúvidas em relação às quais eu possa ajudar, liguem para a minha secretária. Ela é pequenina, mas é feita em madeira maciça, de uma roseira que tinha no jardim. É resistente e trata-vos de tudo.

Abreijo.

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

A nobre arte do arroto.

Se há família unida, é a minha. Não falo em termos de junções corporais, do género siamês, pegados pelas ancas, nem sequer em termos sentimentais. Eu, por exemplo, estou sempre a discutir com o meu cão. Embora ele seja mais de ladrar.
No que a minha família se mostra verdadeiramente unida é nos hábitos e nos costumes. Com efeito, no meu agregado familiar, quatro de cinco pessoas não conseguem arrotar. É um impedimento estúpido de se ter, bem sei, mas demonstra na perfeição a nossa profunda sintonia. A única que não está bem sintonizada é a minha mãe, porque consegue realmente arrotar, mas de qualquer forma eu sempre desconfiei que ela fosse mãe do padeiro. Espera, isto assim não funciona...
No fundo, somos um conjunto de pessoas extremamente bem-educadas à mesa, mas por razões que lhes são alheias. É como se estivéssemos a ser forçados a ter bons modos por uma qualquer entidade de etiqueta invisível. Menos a minha mãe, lá está, que essa é só javardona.
O que poderia ser considerado positivo, no entanto, acaba por ser algo incómodo e até relativamente nocivo. Isto porque o ser humano não foi criado para acumular gazes, tipo botija, e até a botija tem válvulas que lhe vão dando algum vagar. É por isso que, às vezes, gostava de ter nascido mais javardo, como a minha mãe, para poder ter uma válvula que não me deixasse afrontado cada vez que comesse uma colherada a mais de sopa de nabiça. E perguntam vocês: "Querias ser ainda mais javardo do que já és?"; e eu respondo-vos: "Não sejam parvos. E eu nem sequer gosto de sopa de nabiça."
É por causa desta absurda impossibilidade fisiológica que quando os membros da minha família bebem bebidas com gás ficam inchados como se fossem um pequeno cardume de peixes-balão. E eu até gosto de peixe, para variar um bocado da carne, mas nunca me imaginei nas escamas de um. Para além disso, já provei fitoplâncton e não gostei, é muito salgado.
E quando eu era miúdo, não arrotava? Claro que sim, e reparem que já começo a falar sozinho. Segundo a minha mãe, quando eu tinha cerca de três palmos era um campeão do arroto! Entretanto, pelos vistos, fui perdendo o fulgor. Talvez me tenha lesionado nos treinos, sei lá, depois de um dia especialmente intensivo a comer papas e puré de maçã. A partir daí, nunca mais consegui competir em arrotos com o bebé da vizinha do lado. O gajo era mesmo bom naquilo!
Pronto, tudo isto para que o caríssimo leitor fique a par de um aspecto especialmente interessante da minha vida, e da vida dos meus familiares. Mas não lhes diga que eu contei isto, que eles ficam chateados. Principalmente a javarda da minha mãe.

Abreijo.

terça-feira, 29 de julho de 2014

Querem namorar comigo?

Olá, tudo bem? Deixem estar, não interessa.
Podemos falar um pouco acerca da genialidade dos bilhetes de amor que mandávamos na escola primária? Quanto a vocês não sei, mas eu sempre fui um romântico. Já em miúdo, a Minnie não era, para mim, apenas a gaja do Mickey, como diziam os meus amigos mais serranos, mas sim a sua donzela. No máximo, fazia uma ou outra piada sobre a sua rata, mas nada de mais.
Em relação às donzelas reais, da minha turma, eu também era um verdadeiro mini-Don Juan. Os bilhetes que mandava nos intervalos das aulas - sim, porque durante as aulas treinava-se a arte da sedução com a borracha do lápis na boca - eram carregadinhos de sentimento, desde a acutilância das perguntas "Gostas de mim?" ou "Queres namorar comigo?" até à multiplicidade estratégica das hipóteses de resposta, tudo envolto numa caligrafia de fazer inveja ao mais criativo artista plástico.
À pergunta do admirador, a visada respondia fazendo uma pequena cruz numa das três caixas à disposição, com as hipóteses "Sim", "Não" ou "Talvez". Desta forma, não se deixava nada em aberto. Por vezes, havia também uma quarta opção, "Se os meus pais deixarem", que implicava até um contrato com terceiros. Quem diz que os miúdos não têm lugar no mundo dos altos negócios nunca mandou bilhetes de amor em pequeno, com certeza.
No fundo, responder aos meus bilhetes era um bocado como jogar uma versão alternativa do Quem Quer Ser Milionário, com várias hipóteses de escolha, apresentada por uma folha de papel e onde o prémio final era o meu coração. Sim, um trem de cozinha talvez fosse mais útil, mas não constituía um prémio com tanto sentimento.
As paixões, essas, eram duradouras, porque eu não era cá menino de andar a saltar cercas. Nem no sentido figurativo, nem literal, porque tinha medo que os vizinhos se zangassem. Quem respondia positivamente aos meus bilhetes podia contar com o meu amor incondicional até à hora do almoço do dia seguinte, pelo menos, porque entretanto instalava-se aquela rotina do casal e a fome toldava-me todos os outros pensamentos.
Já o fim da relação era penoso e angustiante, porque implicava explicar a uma pessoa que ainda estava a aprender a tonalidade das vogais que a nossa relação não agourava um futuro promissor. Normalmente, quebrava o gelo dizendo: "Tal como esta conta de dividir se conjectura difícil, também a divisão do nosso amor se adivinha custosa para ambos." Era tiro certeiro. Às vezes, até acabavam por partilhar comigo o conteúdo da sua lancheira, como oferenda de paz.
Eram outros tempos, isso é certo. Hoje em dia, já só arranco folhas dos cadernos para fazer aviões de papel e enviar para os quintais dos vizinhos que me aterrorizavam em miúdo, quando lhes tentava saltar a cerca. Enfim, vicissitudes do karma.

Abreijo.

terça-feira, 22 de julho de 2014

Apreensões bucais.

Podem dizer que não à vontade, mas eu cresci. No entanto, quem disser que não, é cócó.
Sim, é verdade, cresci em muitos aspectos. Hoje em dia, não só sou capaz de chegar às prateleiras mais altas da casa como também sou capaz de discutir, sem risinhos parvos, variados temas da actualidade com outras pessoas, desde que não envolvam demasiados sentimentos. Já a tabuada, essa, continuo sem a saber de cor.
Contudo, talvez o aspecto preocupante da minha infância em relação ao qual se nota algum progresso da minha parte seja o meu medo de perder os dentes de leite. Sim, é verdade. Em miúdo, uma das coisas que mais me apavoravam era a inevitabilidade de vir a ficar sem dentes de leite. Podem chamar-me parvo à vontade, embora o acto de chamar parvo a um miúdo não abone muito a vosso favor. São piores do que as crianças, vocês!
Ora, porquê este medo precoce de um acontecimento tão banal como perder as trituradoras bucais de leite, perguntam vocês? Vá, perguntem, estou à espera... Pronto, vou responder: Porque gosto de estar sempre preparado. Sou uma pessoa que, desde cedo, se identificou com aquela ideia de um homem prevenido valer por dois, de modo que gosto de ter sempre suplência. Por isso, gostava de ter sempre um conjunto de dentes extra para reserva, pois nunca se sabe quando vão ser precisos. Sim, é verdade, não confio a mim próprio nem os meus dentes! Eu não sei bem do que sou capaz, e há gente para tudo.
No entanto, posso garantir-vos que este receio em relação ao desamparo oral que é característico aos seres humanos já foi muito pior. É verdade que passei metade da minha infância descansado, pois por alguma razão álcool, quem sabe , pensava que depois dos dentes de leite ainda tinha mais um conjunto de reserva. Uma espécie de dentes de café com leite, digamos, para os já mais crescidos. Descafeinado, claro, e de leite magro para não espicaçar o colesterol. Mas quando me contaram toda a verdade, fiquei preocupadíssimo. Todos aqueles serões a comer doces teriam que passar a ser apenas meios-serões a comer meios-doces, porque afinal só ia ter dois conjuntos de dentes em vez de três.
Foi a partir dessa altura que eu, havendo até então ignorado por completo o bem-estar dos meus aparelhos de trincamento, passei a tratá-los da mesma forma que uma senhora de meia-idade abastada trata os seus caniches: Escovando-os todos os dias e dando-lhes banho com produtos especiais. A ração, essa, também é de requinte, porque já não deixo os meus dentes mastigarem coisas rascas.
No fundo, hoje em dia posso orgulhar-me de ter uma boca com pedigree e muito poucas, se não nenhumas, carraças.

Abreijo.

terça-feira, 24 de junho de 2014

Friezas de estação.

Agora que o Verão se está a aproximar ou não, dependendo da altura do ano em que estão a ler isto , temos que discutir um assunto bastante sério e que preocupa muitas pessoas que, como eu, gostam de manter um certo nível de ordem social no seu bairro. Aproveito para chamar principalmente a atenção dos vendedores de gelados deste país, porque o que se segue diz respeito a alguns dos seus clientes.
Expliquem-me o seguinte: Quem é que, no seu perfeito juízo, recusa um gelado de cone em favor de um gelado de copo? Até há bem pouco tempo, costumava ver pessoas na rua a comer gelados à colher e tinha pena deles, pois provavelmente ter-se-iam dirigido a um estabelecimento comercial que só vendia gelados envoltos em plástico. Só que, ao que vim a saber, pelos vistos a maior parte dessas pessoas escolhe mesmo comer o gelado num copo, apesar de ter à disposição um cone de bolacha também ele comestível, ao contrário do copo de plástico que não dá jeito sequer para petiscar. Ainda assim, eu tinha um primo que era um bocado parvo e comia plástico. Tinha, note-se.
Quando vejo pessoas, como o meu primo, a pedir um gelado de copo tendo à disposição cones de bolacha, costumo perguntar-lhes se não tiveram infância. E elas, envergonhadas, como é óbvio, tendem a não me responder, ou a lançar-me apenas um ligeiro "Vá-se f*der, pá!" Gente estranha, esta. Mas tratam-me por você, e eu gosto de respeito. É que, havendo a hipótese de um cone de bolacha, é óbvio que as pessoas devem pedi-lo! Não o fazer é o mesmo que cortar definitivamente os laços com os tempos de juventude, o que eu, eterno imaturo, ainda não estou preparado para fazer. Pedir um gelado de copo é o mesmo que desejar ter uma vida sem sonhos, ou ir a uma feira medieval e os cavalos terem sido substituídos por trotinetas. Dá um outro aspeto visual, é certo, mas não é àquilo que estamos habituados.
Mais, o gelado de cone é amigo do ambiente! Não resta nada para contar a história. Já o gelado de copo é um vil poluidor, pois metade daquilo por que pagamos acaba no lixo. É dinheiro mal gasto. Aposto que quem faz isto também não tem paz de alma suficiente para colocar a embalagem na reciclagem, pois devem ser pessoas destroçadas no seu interior e eternamente mal com a vida. Se, em África, alguns meninos soubessem que nós andamos aqui a escolher comer um único produto pelo mesmo preço de comer dois produtos diferentes, dava-lhes para rir. Até chegar um leão, depois teriam que começar a correr. Rir e correr ao mesmo tempo não dá jeito. Pronto pronto, eu deixo de ser racista... Bem sei que nem todos os leões são africanos.
Sim, é verdade que os gelados de cone derretem e começam a pingar-nos para as mãos, obrigando-nos a lamber tudo à volta como uma actriz pornográfica em início de carreira. Também é verdade que não parecemos muito dignos quando o abocanhamos, mais uma vez, como uma actriz pornográfica em início de carreira. Mas são parte da nossa infância, tal como as actrizes pornográficas, e devíamos agarrar-nos a isso com todas as nossas forças. O gelado de copo pode ser mais prático, porque inclui uma colher, mas ao mesmo tempo não nos permite ser javardos. E a vida, no fundo, é feita de javardice. Nós próprios fomos concepcionados num clima de pura javardice. Era muito difícil a minha mãe conseguir engravidar só com uma colher.
Com tudo isto, concluo que existe um lugar reservado no Inferno para dois tipos de pessoas: Actrizes pornográficas já em fim de carreira e pessoas que recusam gelados de cone. E as primeiras, com jeitinho e alguma técnica, ainda se conseguem safar.

Abreijo.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Tudo a nu.

Não é verdade que me zangue apenas com os comportamentos humanos, como no outro dia me vieram dizer na rua. Estou a brincar, ninguém me aborda na rua. Independentemente disso, às vezes também me zango com os (restantes) animais. A questão é que, muitas das vezes, nem é o comportamento geral deles que me irrita, mas sim a sua passividade em relação aos humanos. Lá está, voltamos sempre ao mesmo... Pronto, se calhar é mesmo só a espécie humana que me faz espécie.
Meus compinchas de outras raças, meus amigos de locomoções alternativas: Porque razão se prostam de forma tão subserviente às extravagantes vontades humanas? Mais especificamente, porque é que aceitam que os humanos vos vistam? Sim, é disto que estamos a falar, meus amigos, do totalitarismo personificador dos seres humanos. Sentindo-se tristes e sozinhos na sua prática obrigatória de colocar vários tipos de tecido em cima do corpo, os seres humanos decidiram começar a vestir outros bichos, desde cães e gatos a lagartixas e iguanas.
E passo logo para um apelo, porque hoje está Sol e não me apetece estar aqui com muitos encargos: Não se ponham a vestir os animais, deixem-nos estar em paz consigo próprios! Pensem no quão livres eles se devem sentir, com tudo o que lhes é bambo a chocalhar ao sabor do vento. Não nos chega nós próprios termos que usar roupas que nos restringem o corpo e nos sufocam a pele? Sabem o que eu dava para poder sair à rua nu, e aparecer em frente a vastas quantidades de público sem necessidade de recorrer a qualquer peça de roupa? Quer dizer, no fundo até posso... Mas as pessoas têm tendência para se horrorizar, e ficarem especadas a olhar para mim. Vá-se lá saber porquê.
O que até acaba por me dar algum gozo neste fenómeno de vestir animais, no entanto, é a gritante cobardia do ser humano. Não é por acaso que só vemos animais de pequeno porte (e de fraco amor-próprio, diga-se) serem alvos deste achincalho por parte do ser humano. De facto, há animais que de passivos têm muito pouco, e a esses eu tiro-lhes o chapéu; figurativamente, porque se lhes tirasse mesmo o chapéu eles eram capazes de me arrancar metade da cara à patada. Se não acreditam, então tentem vestir uma t-shirt a um tigre, ou enrolar um cachecol tricotado em lã ao pescoço de um urso... E depois venham-me contar esse episódio, já sem metade da boca e com baba a percorrer-vos os queixos.
Posto isto, apresento-vos duas soluções: Ou deixam de tentar incutir no reino animal práticas e costumes estapafúrdios inventados, em alguma altura especialmente negra da história, por um ser humano relativamente pouco iluminado a nível mental , ou então começo eu já a fazer história e saio à rua sem qualquer tipo de constrangimentos sociais, de pudor e de qualquer espécie de roupa interior.
No fundo, tudo isto é uma desculpa, mais ou menos elaborada, para eu poder sair à rua nu. Até porque, como já disse, está Sol.
Cada qual com os seus fetiches.

Abreijo.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Bolices e manias.

Festejar é bom, eu adoro festejar. É das melhores coisas que faço na vida, sendo que até tenho jeito para a coisa. Aliás, se tiver razões para isso, sou capaz de festejar durante duas semanas inteiras, fins-de-semana incluídos. O meu único problema é que os meus festejos são muito à base do estar, vá lá, feliz... E, ao que parece, muitas das vezes isso não é suficiente.
Vamos então falar de bolos, como é óbvio: Bolos grandes e lêvedos, bolos pequenos e atarracados, bolos com recheio de creme e creme com recheio de bolos. Existe um pouco de tudo, e há um festejo em particular que aglomera todos estes tipos de confeitaria: O aniversário. Um bolo de aniversário é capaz de alimentar quinze gerações de formigas ao longo de todas as suas vidas; também consegue, em apenas três garfadas, transformar qualquer corredor de maratonas num diabético em fase terminal. Ainda assim, é sempre com bolos de aniversário que festejamos, claro está, os aniversários. E eu não tenho nada contra, porque como já disse até sou bastante talentoso na nobre arte do festejo. Mas não sei fazer bolos, e a minha veia artística peca por isso.
A verdade é que eu não sei fazer bolos porque nunca fiz nenhum, e nem sequer faço muita questão em aprender como se faz. O meu principal dilema é não conseguir perceber o porquê de se festejar eventos vários, principalmente aniversários, com bolos. Não me interpretem mal, também acho que festejar com comida é muito bem pensado! Aliás, comer é capaz de ser das melhores coisas fazemos na vida, logo a seguir ao sexo a três e ao coçar as zonas baixas com uma concha de esparguete. Tenho tudo isso listado, por ordem de preferência.
Mas sempre que faço parte integrante de um aniversário, quer como anfitrião, quer como convidado, pergunto-me o porquê de se estar a festejar com um bolo e não, por exemplo, com filetes de peixe. Porque é que existe o bolo de aniversário, mas não existe o filete de peixe de aniversário? O que é que o peixe tem a menos que a farinha? Enfim, perguntas que devem fazer a vós próprios.
No geral, e por muito folião que me considere, fico sempre perplexo durante as festas de anos. Há sempre uma pressão inerente a estes eventos de se tentar perceber quem é que é amigo o suficiente para receber convite, e quem não é. Para além disso, fica-se sempre com a impressão de que estamos a manter aquelas pessoas de grupos tão diferentes em cativeiro, forçando-as a conviver umas com as outras. E no fim, para acabar de embrulhar todo este presente de pressão psicológica e social, ainda temos que os alimentar com um tipo de comida que não é, de todo, a mais recomendada. No fundo, ser convidado para um aniversário é como ganhar um passe grátis para visitar o zoológico, mas do lado de dentro das jaulas.
E nem me vou esticar em relação ao assunto das velas, que teríamos assunto para mais três textos... Desde o acto de se acender um objecto pirotécnico até ter que o morder para se pedir um desejo, existe nos aniversários todo um código de conduta bastante pouco seguro, que faz com que fazer anos seja um pouco como arriscar a vida. De facto, quando fazemos anos esticamos um bocado a corda logo desde o início, para ver se aquele ano vai mesmo ser o último. Aliás, o desejo que costumo pedir enquanto mordo as velas é o de não ser queimado vivo no meu próprio aniversário, enquanto os meus convidados comem farinha embutida em doses industriais de açúcar e cantam uma música alusiva à minha longevidade.
Pronto, por agora é tudo. Obrigado pela atenção, e parabéns a você!

Abreijo.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Incógnito de nascença.

Uma coisa que me tem vindo a preocupar cada vez mais é a eventualidade de vir a ter filhos. Não me preocupo tanto com o acto causal em si, porque essa área eu até domino relativamente bem. Aliás, todas as minhas parceiras sexuais até hoje elogiaram a minha capacidade argumentativa e deram-me nota vinte em criatividade. Preocupo-me mais, isso sim, com o tipo de criatura que vai ser expelida pelas zonas baixas da progenitora.
É que os nossos filhos são aquelas pessoas com as quais vamos ter que lidar durante o resto das nossas vidas, goste-se ou não. A menos que os deixemos ao lado do vidrão logo à saída do hospital, ou que eles nos coloquem no lixo indiferenciado quando chegada a velhice, os nossos filhos serão da nossa responsabilidade durante a vida toda. Se fomos nós que os colocamos no Mundo, já agora mais vale acatar com as consequências.
O que mais me inquieta é que fazer um filho não é, por exemplo, como fazer amigos: Os amigos nós podemos escolher, basta beber um copo juntos e partilhar um pires de tremoços para ter a certeza; a amizade dá-se quando conhecemos superficialmente alguém e escolhemos se queremos ou não lidar com essa pessoa mais a fundo. Já no caso dos filhos, não somos nós que escolhemos. Muitas das vezes, quem escolhe por nós até é o copo e o pires de tremoços, ambos em quantidade suficiente para despacharmos o serviço com a primeira pessoa do sexo oposto que nos aparecer à frente. E como não somos nós a escolher os filhos que nos calham, temos de nos sujeitar ao que nos sai na rifa! Há também quem os trate como uma colecção de cromos, e abra vários pacotes de três ou quatro unidades até encontrar uma que ainda não lhe tenha saído. Mas, para isso, mais vale fazer colecção de carros clássicos, que é capaz de ficar mais em conta.
É que o raio dos miúdos aparecem literalmente do nada, a meia-viagem da nossa já bastante trabalhada e planeada vida, e instalam-se ali no centro, sem sequer marcar reserva ou ter o cuidado de ligar de antevéspera para avisar. O primeiríssimo alerta que nos dão em relação à sua futura presença no cerne das nossas vidas é quando batem à porta do estômago da progenitora causando-lhe náuseas e vómitos. É desta forma deplorável que recebemos uma notícia de tamanho calibre, mas ninguém parece importar-se. Seria como se no fim de uma entrevista de emprego soubéssemos que fomos contratados devido ao facto do empregador nos ter enviado pelo correio uma marmita com os restos regurgitados do seu jantar.
Para além disso, aceitamos também que outro ser humano entre tão facilmente dentro na nossa companheira, quando nós próprios andamos em algum período das nossas vidas a investir uma carrada de tempo e de dinheiro só para conseguir galá-la. Há algo de profundamente injusto nisto.
Os nossos filhos podem vir a ser uns cretinos e uns completos estúpidos quando crescerem, mas a verdade é que vamos ter que os aturar. Por isso é que, conhecendo-me como conheço, tenho receio de vir a descobrir como vão ser os meus filhos...
Vale-me o facto de, com a vida que levo, não os vir a conhecer tão cedo.

Abreijo.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Encarnar na escrita.

Anos noventa.
Pronto, voltamos à minha infância. Fiquei bastante nostálgico, agora... Vêem aquele rapaz franzino ali ao fundo, a escrevinhar numa folha com uma caneta vermelha? Aquele sou eu. E porquê uma caneta vermelha, questionam-se as bonitas pessoas que estão a ler isto? Porque estou, no fundo, a tentar ser rebelde.
Nunca consegui ser verdadeiramente rebelde. Por muito que tentasse, ficava sempre aquém das expectativas. Os meus pais bem que me compravam skates e tentavam convencer-me a fazer beatbox, mas o máximo que consegui fazer com essas duas coisas foi molhar o chão com cuspo e despistar o veículo contra a parede do pavilhão da escola. De certa forma, acabou por ser o meu mais proeminente acto de rebeldia, porque a pintura branca daquela parede em particular nunca mais foi a mesma. Tomem lá!
Por isso, virei-me para as canetas vermelhas. Ou encarnadas. Todas as pessoas que tiveram o privilégio de ter canetas para escrever durante a infância tentaram, uma vez por outra, a sua sorte com a de cor vermelha. E percebe-se, porque, tal como os toiros, também nós os humanos nos sentimos atraídos por cores fortes e vibrantes. Aliás, aos mais cornudos até lhes dá para marrar, quer sejam toiros ou humanos.
Só que nunca nos deixaram escrever a vermelho! Esta é a triste realidade. Escrever a vermelho é, para os educadores, algo semelhante a desenhar na folha um pénis 3D tão pujante que é capaz de lhes vazar uma vista se olharem para ele de relance. Já os mesmos professores podem escrever a vermelho à vontade, porque por alguma razão os pénis deles não são assim tão nocivos para o bem-estar óptico dos seus alunos. Sim, esta é capaz de ser a frase mais estranha que já escrevi...
Ter uma caneta vermelha é como ter um carro desportivo: Só lhe damos uso lá de vez em quando, para dar uma voltinha e mostrar a toda a gente, mas nunca para viagens muito longas. Para isso, existem os carros mais baratinhos e menos dispendiosos, que no caso das canetas se traduzirão, provavelmente, na cor azul. A caneta azul é a mais banal de todas as canetas. É uma espécie de corta-unhas da escrita; é o piaçaba da sanita literária. Todos têm um em casa, e a família inteira usa o mesmo.
No fundo, eu até percebo o porquê de todo este desdém em relação à caneta vermelha. Durante anos, e ainda nos dias de hoje, tem-se vindo a associar a escrita a vermelho com algumas coisas menos positivas, como a iminência do perigo ou aquela prática comum de se escrever recadinhos com sangue. Não que o sangue em si seja uma coisa pouco positiva, porque a mim até me dá um certo jeito. Mas quando as pessoas se põem a escrever com ele nas paredes, acabam por transformá-lo em algo macabro e bastante difícil de limpar. Por causa disso, jurei a mim próprio nunca mais brincar com tampões usados nas casas-de-banho públicas. Agora deixo sempre o meu número de telemóvel em post-it's.
É altura de acabar com este estigma social! Escrever a vermelho não é sinónimo de desrespeito para com o leitor, é apenas um sinal de que ainda nos damos ao trabalho de escrever à mão. Nos dias que correm, isso até é bastante positivo! Vamos lá começar a dar uso às canetas vermelhas, porque tenho uma catrefada delas lá em casa ainda desde os tempos da escola e não sei como lhes dar vazão.

Abreijo.

sexta-feira, 21 de março de 2014

Rabiscadores compulsivos.

Já me acusaram várias vezes de ser um desmancha prazeres, e de nunca gostar de nada. O que se trata de uma escandalosa mentira, porque eu até sou fã de muitas coisas. Ouviste, mãe?! Pára lá com isso!
É verdade, sou um fã. E sou fã de várias coisas importantes, mas também de coisas estúpidas. Algumas são bastante úteis, outras nem lembram ao diabo. Senão, vejam: Por um lado, sou fã de seios; por outro, também sou fã daquela situação caricata em que um homem passa metade da noite a tentar libertar os seios da senhora do jugo opressor do seu sutiã. É uma causa muito nobre, nobríssima, e o elevado nível de dificuldade até lhe confere alguma piada. Talvez elas até façam de propósito para passarem um bom bocado, quem sabe...
Mas se há coisa da qual nunca hei-de ser fã, é de quem é fã em demasia. E quando é que uma pessoa chega a ser fã em demasia, perguntam vocês? Para mim, é quando começam a pedir autógrafos. Antes de evidenciar tudo o que há de mal com os autógrafos, vamos, primeiro, tentar dissecá-los... Ora, o que é, na verdade, um autógrafo? Um autógrafo não passa de um rabisco escrevinhado num papel que não é do artista, e feito com uma caneta que também não lhe pertence. Ou seja, é o próprio fã que lhe fornece o papel e caneta, e tudo o que o artista tem que fazer é dar um bocadinho ao pulso. Isto não é recordação que se apresente, meus caros, não se vendam por tão pouco... Quanto muito, a recordação que têm na mão é da Staples, que foi quem vos forneceu o material.
Aliás, o máximo de valor que podem retirar de um autógrafo é o facto de o artista ter tocado na vossa própria caneta, e não o raio de um papel com desenhos cavernícolas feitos à pressa. Ou, porventura, se ele vos tiver assinado os seios. Sim, eu sei que já aqui falei em seios... Mas, como toda a gente sabe, seios nunca são demais. Sejam mulheres ou sejam homens, podem sempre orgulhar-se do facto de um vosso herói qualquer vos ter (quase) tocado nas mamas. Uma coisa é ficarem contentes por vos terem tocado nas mamas, outra é ficarem contentes porque vos tocaram num papel!
A mim nunca me apanharão numa fila durante horas sem fim, apenas para me assinarem um papel. Se quisesse ter isso na minha vida, ia a uma repartição de finanças. Só consideraria essa hipótese caso a assinatura desse tal ídolo me desse algum privilégio, como o acesso a uma conta bancária recheada ou um aumento do abono de família. Mas se é só para mostrar aos outros que tenho um papel assinado, prefiro ver o espectáculo e vir-me logo embora.
Até porque, no outro dia, quando vocês chegarem triunfalmente à escola com um papel autografado na mão e o mostrarem arrogantemente aos vossos amigos, tudo o que eles vão conseguir responder é: "Boa... Olha, já topaste o rabo da stora de Matemática?"
Porque, no fundo, ninguém quer saber.

Abreijo.

quarta-feira, 19 de março de 2014

Pequenos seres diminutos.

Este textinho que estou a escrever é especialmente dedicado ao leitor que pariu recentemente um filho, ou que pelo menos contribuiu para o acto de parição. E digo "textinho" para ir ao encontro do vosso próprio linguajar, porque eu gosto de me adaptar ao ambiente em que me encontro. É por isso que, todos os dias, como um bom punhado de milho seco e choco um ou dois ovos, dependendo da intensidade do calor. Para quem não percebeu a piada, vivo num galinheiro.
Que os bebés são pequenos, pelo menos quando comparados com as crias de uma mãe mamute (leiam esta última parte em voz alta), por exemplo, já toda a gente sabe. Mas que os pais ficam quase do tamanho dos bebés, pelo menos em termos de mentalidade, é que já não está ao alcance da compreensão de toda a gente. O objectivo dos babados progenitores é, geralmente, simplificar, mas a maior parte das vezes o tiro sai-lhes pela culatra. Um pai que me diga que o seu filho tem dezasseis semanas, obriga-me a ter que calcular que dezasseis semanas são quatro meses. E eu nem gosto de calcular, de todo, principalmente quando ambos sabemos que há uma outra forma mais fácil de o cavalheiro se fazer entender. Chegamos ao ridículo de ter pais que se gabam de o seu rebento ter vinte e quatro meses, quando podia mais facilmente dizer que tem dois anos! E isto para quê? Para perpetuar a ideia de que o pequeno ainda é um jovem, e que está ali para as curvas? Isso já nós sabemos, que raio, é um bebé! Não estarão a reflectir nos vossos filhos as vossas próprias frustrações cronológicas, seus cotas?
Outra coisa: Se eu tomo banho embora poucas vezes, é certo , porque é que os vossos filhos tomam banhinho? Se eu bebo leite e como fruta, porque é que as vossas miniaturas de gente têm que beber leitinho e comer frutinha? Não temos todos os mesmos direitos? Então para quê todos estes diminutivos verbais? A mim não me deixam comer papinhas, porque pelos vistos já sou muito grande e só posso comer papas. Mas onde é que isso está escrito?! Também a minha indumentária passou de roupinha para roupa, porventura para acompanhar o meu crescimento. Em relação ao vosso pirralho, vocês têm mil cuidados com a cabecinha; já eu, posso rachar a cabeça num tronco de lenha especialmente rijo que ninguém se importa, só me perguntam se cortei o suficiente para, pelo menos, refrescar a lareira.
Não é justa, esta diferença de tratamentos. E nem sequer é coesa, diga-se de passagem... Porque, vejamos: Um copinho pode ser um copo, mas uma palhinha não é uma palha. Ninguém manda o filho ir buscar palha, nos dias de hoje. Antigamente sim, mas era para alimentar os animais, e não os filhos. Uma palhinha será sempre uma palhinha, independentemente da idade do usuário. Avós e netos podem partilhar palhinhas, embora não seja sanitário; e talvez seja um bocado estranho, até... Mas o certo é que podem, independentemente do facto de um ter rugas por ainda ter peles para encher e de o outro ter rugas por já ter as peles a descair.
Fiquem com esta imagem. E que não me caia um "dentinho", com a graçola.

Abreijo.

terça-feira, 11 de março de 2014

Guinchos e cantigas.

Um dia imaginei a minha vida sem música, e não gostei. Os meus duches tornar-se-iam aborrecidos e, muito provavelmente, teria finalmente que comprar uma daquelas esponjas feitas numa espécie de rede de pesca abichanada para me entreter, e para apimentar a minha relação com a água doce. Também conseguiria chegar mais facilmente às zonas difíceis, o que é sempre positivo. As minhas costas, por exemplo, já não são bem esfregadas desde que deixaram de me dar banho. Já tentei convencer a minha mãe a dar-lhes uma boa ensaboadela, em honra dos bons velhos tempos, mas hoje em dia ela já só acha estranho, e com alguma razão.
Por isso, sim, eu gosto bastante de música! E até sou bastante receptível a novas sonoridades, sejam-me elas apresentadas pelos meus pares ou pelos artistas extravagantes das estações de metro. No entanto, torna-se difícil ser adepto de novas sonoridades quando a própria pessoa que nos tenta apresentar a sonoridade não nos deixa sê-lo. Falo, pois claro, daqueles indivíduos que tentam impingir determinadas músicas aos outros, mas que se põem a cantar ao mesmo tempo que o artista.
Gente, eu percebo o vosso entusiasmo, juro que percebo! Mas se não se calarem, estão a auto-boicotar-se. Quando me aconselham a ouvir determinada música e depois se põem a cantarolar os vocais ao mesmo tempo, eu não consigo apreciar devidamente a música. E eu até sou uma pessoa que gosta de apreciar devidamente coisas, desde rabos a espectáculos de dança contemporânea. Depois, temos ainda as pessoas que, não satisfeitas com a nobre arte de cantar por cima dos coros das músicas, ainda trauteiam o instrumental, e guincham os solos de guitarra. E, no fim, perguntam: "É fixe, não é?"; ao que eu respondo: "Não faço ideia, só vim aqui para pedir uma xícara de açúcar à tua mulher. Ela está?"
Conheço bem o entusiasmo que a música provoca, embora dos milhares de instrumentos que existem no Mundo, eu só saiba tocar um. E não, não é o meu pénis, antes que comecem com piadas. Mas não se conseguem conter durante uns míseros quatro minutos (ou sete, se o artista tiver um fraco poder de síntese), para eu conseguir ouvir o raio da música até ao fim? É que a música até pode ser especialmente bonita, mas com alguém a guinchar-ma ao ouvido ao mesmo tempo dá logo para desgostar.
Como se sentiriam se, por exemplo, eu vos recomendasse um restaurante e passasse uma refeição inteira a trincar a vossa comida e a dizer: "É bom, não é?", para depois no fim não chegarem a comer nada? Ou se vos apresentasse uma amiga toda boa, por já ter pena de vos ver há tanto tempo solteiros e com as costas por esfregar, e passasse o encontro todo a apalpá-la e a demonstrar o quão talentosa ela é na arte do felácio?
Se uma música for assim tão boa como dizem, decerto que as suas qualidades falarão por si. Não é preciso estarem a gritar-me a letra toda por cima do ombro, independentemente do número de cartazes com a cara do artista que usaram para forrar as paredes do vosso quarto.

Abreijo.

sábado, 8 de março de 2014

Liso e complicado.

Bem sei que me imaginam como um velho sabujo do mar, com a barba esbranquiçada pelo avançar dos anos e por resquícios de ressalga de outros tempos. Mas tal como todos os sabujos, a minha sabujice, por muito vasta que seja, não consegue alcançar todos os campos do conhecimento. Há, em mim, um delineamento de limites involuntário, mas necessário, que me impede de ter uma compreensão enciclopédica acerca de, por exemplo, atributos de champôs.
Isto tudo para dizer que não me entendo com as embalagens dos champôs, pronto. Ou melhor, até já me consigo entender mais ou menos, mas até há bem pouco tempo não conseguia. Na minha mente algo simples e ingénua de outros tempos dois ou três meses, aproximadamente eu pensava que, por exemplo, um champô para cabelos "lisos e sedosos" só servia a quem já tinha cabelos lisos e sedosos, e gostaria de os manter. No entanto, ao que parece, este tipo de champôs destina-se mais a quem não tem cabelos que se enquadram nesse formato, mas gostaria de vir a ter! E foi com esta súbita realização que o Mundo passou a fazer muito mais sentido, não só o mundo da centrifugação capilar com recurso a produtos químicos vendidos em frascos, mas o Mundo em geral.
Realmente, e agora que reflicto bem sobre este sistema de caracterização de champôs, faz mais sentido que assim seja. Senão, vejamos: Se só as pessoas com cabelo "saudável e brilhante" comprassem champôs para cabelos saudáveis e brilhantes, então só se vendiam um ou dois frascos a cada três meses. Pelo menos a julgar pela minha rua, que é composta maioritariamente por cabeleiras de meia-idade e já com poucas tenções de tentar impressionar alguém. Assim, teríamos uma indústria tremendamente fragmentada, onde cada pessoa apenas adquiria o champô que mais se adequasse ao seu tipo de cabelo.
Mas, esperem... Então para quê os champôs para cabelos "oleosos", "secos" ou "espigados"? Serão para quem não tem e gostaria de ter vá-se lá saber porquê , ou para quem já tem cabelos oleosos, secos ou espigados? Vêem, estou confuso outra vez! E com isto lá vão três meses de intensa meditação pelo ralo abaixo; e alguns cabelos, porque quando eu medito intensamente vou-lhes dando puxões.
Torna-se óbvio, portanto, que a indústria dos champôs anda repleta de mentiras. Uma vez, por exemplo, experimentei um champô "caracóis perfeitos" e meu cabelo continuou liso, sem sequer um canudinho se formar. Logo aqui se vê o nível de trapaça e de engano a que estamos sujeitos. Num outro episódio, quando era pequeno, fiquei a dormir em casa de um primo meu. À noite, quando fui tomar duche, vi que o meu tio, solteiro, tinha comprado um champô contra o "excesso de oleosidade". Ora, o meu tio é careca... Quanta oleosidade terá ele, realmente, para justificar a compra de um champô com aquelas características? E se ele usasse um champô contra a queda de cabelo, voltaria a ser cabeludo?
Um dos poucos champôs que é claro e conciso ao ditar o propósito da sua missão é o "anti-caspa". Com um champô anti-caspa, sabemos sempre o que esperar: Estará ali para devolver ao cabelo o seu brilho natural? Não, com certeza. Estará ali para dar mais volume e vida ao seu cabelo, seja lá o que isso significa? Claro que não, ora! O champô anti-caspa está ali, muito simplesmente, para dar um grande chuto no minúsculo rabo da caspa e atirá-la borda fora. Ponto.
E, desde que faça bem o seu trabalho, por mim está óptimo.

Abreijo.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

O bom calígrafo.

Vocês não sabem a sorte que têm em conseguir ler o que escrevo. Não em termos de conteúdo, porque eu não digo coisas assim tão interessantes, mas porque isto está escrito em computador. Sim, porque se fosse escrito à mão, provavelmente já teriam desistido de me tentar compreender. E eu estaria a chorar, por vos ver ir embora desiludidos e tristonhos. Sabem, é que a minha caligrafia não é das melhores, e... O problema é vosso! Estavam mesmo à espera que eu admitisse culpa em relação a algo? Ha!
Desde os tempos da escola que não percebo porque razão gozam com a minha caligrafia. Quer dizer, percebo, mas não aceito. Sim, eu sei que tenho uma caligrafia horrível e que há putos da primária que conseguem escrever o meu nome com mais floreado do que eu. Sim, olhar para um caderno meu é como olhar para um outro caderno normal onde se deu um terramoto e as letras se desfiguraram todas. Mas a culpa não é minha, não senhor! Porquê? Primeiro, porque este texto é meu e eu faço o que quiser com ele. Segundo, porque foi assim que me ensinaram a escrever, em miúdo. E eu, como bom aluno que sou, ainda hoje cumpro.
Assim, e sendo ponto assente que a culpa não me pertence, há que atribuir responsabilidades. E existem duas hipóteses: Ou a culpa é vossa, no geral, ou é dos professores em particular. Vossa porque, na verdade, vocês são uns aldrabões. Eu fiz tudo bem, aprendi a escrever de uma determinada forma e hei-de mantê-la até ao fim! Já vocês, adulteraram completamente a vossa caligrafia simplesmente por questões de estética; para ficar "mais bonita", ou mais perceptível. Cambada de fúteis!
A outra hipótese, da culpa ser dos professores, implica que tenham sido eles a induzir-me em erro. Neste cenário sim, é remotamente possível que eu esteja errado. Mas só porque foram os professores a ensinar-me a escrever assim, a desenhar as letras bastante agarradas e seguidas umas às outras como um comboio prestes a descarrilar na iminência de um encontro com uma nova vírgula.
E a mesma explicação serve para os meus dotes, ou falta deles, no campo do desenho! Por alguma razão eu ainda desenho como um miúdo da primária. É porque, na altura em que me ensinaram, EU ERA um miúdo da primária. Foi assim que aprendi, e é assim que continuarei! E o que é a escrita senão uma sequência de vários e pequenos desenhos aos quais damos o nome de letras? (Fui profundo, não fui?)
É simples, portanto: Se ainda desenho como desenhava quando era criança, também tenho que escrever como escrevia quando era criança. Numa sociedade que tanto preza as relíquias e o Clássico, é incrível que ainda não me tenham contactado para assinar contrato com museus ou exposições de arte antiga. Só na assinatura do contrato tinham logo ali uma obra de arte.
Enfim, é o país que temos.

Abreijo.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Que raio.

Respondam rápido, qual o super-poder que mais gostariam de ter? Se responderam "conseguir dobrar lençóis como a minha mãe", então parabéns, eu também. Mas pensem lá mais um bocadinho a fundo naquele tipo de super-poderes que vemos nos filmes, e não nas novelas sobre donas de casa repletas de angústia e de ilusões perante a vida.
Já pensaram? Boa. Aposto que uma boa parte de vós escolheu ter visão raio-x. E é justamente com essa parte de vós que quero falar. Os restantes podem ir treinando com os lençóis da avó, que são mais rendados e, portanto, mais difíceis de dobrar. De entre das pessoas que escolheram ter visão raio-x, dirijo-me principalmente àquelas que pretendem, com isso, ver exclusivamente através da roupa das pessoas. Ou seja, dirijo-me aos tarados. Digo tarados, e não taradas, por razões óbvias.
Agora que já defini o restrito público-alvo ao qual me dirijo, e sendo que se trata de uma comunidade predominantemente masculina, pergunto-vos: De zero a dez, vocês são bastante broncos, não são? Porque sim, é verdade que o raio-x dá para ver através da roupa... Mas também dá para ver através da pele, e das paredes intestinais! Não sei que ideia fazem do conceito de raio-x, mas não é certamente a correcta. Porque a visão raio-x não se fica só pela roupa, não ultrapassa a nossa indumentária e diz, toda satisfeita: "Pronto, aqui está bom, não vamos avançar mais." Meus caros, a visão raio-x atravessa praticamente tudo no corpo de um indivíduo, a única coisa que conseguimos distinguir claramente são os ossos. Para os cães sim, a visão raio-x é bastante sensual e apelativa... Eles olham para o raio-x do nosso fémur e começam logo a salivar. Mas para os humanos, nem por isso. A não ser para a minha avó que, para além de ter lençóis excelentes para dobrar, também gosta de roer os ossos depois de comer a carne.
Ter visão raio-x não nos dá o poder de conseguirmos escolher livremente a profundidade do que vemos. Depois de começar, temos que cumprir até ao fim! É como comer um pires de tremoços, mas com menos classe.
A única forma de se conseguir apreciar o corpo de alguém com visão raio-x é se essa pessoa tiver uma pele de chumbo. Aí, o raio-x já não consegue penetrar e conseguimos apreciar-lhe devidamente as curvaturas. Mas, sinceramente, se alguém tiver uma pele de chumbo, para quê usar roupa, de todo? Frio não passa, e dificilmente alguém se atreveria a meter com essa pessoa, com medo de levar com um punho de elevada massa atómica na cara.
Mas se alguém um dia conseguir aperfeiçoar a tecnologia do raio-x a ponto de este se limitar a atravessar só as indumentárias passando, portanto, essa pessoa a ser designada de mega-taradão , existirão também soluções para queira esconder as partes mais delicadas do seu corpo: Usar roupa interior de chumbo. Se é chato? É. Se é pesado? É, claro. Se dá muita comichão? Dá, certamente. Mas só assim se consegue impedir que o Mundo se torne num clube de strip gigante, onde ninguém precisa de se despir para mostrar as suas partes privadas.
Por enquanto estamos safos, porque os tarados de hoje em dia ainda estão entretidos com a pornografia na Internet. O máximo de curvas que nos podem apreciar, por enquanto, são as das cáries tapadas com chumbo.
E eu, pessoalmente, não tenho problema nenhum com o facto de me toparem os dentes.

Abreijo.

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Calendarização precoce.

O texto que se segue pode conter linguagem ou cenas (mentais) susceptíveis de ferir a sensibilidade dos leitores.
Seus maricas!

Estou deveras desiludido, e desta vez é mesmo comigo. Sim, decidi dar-vos descanso e garantir-vos alguma paz de espírito, ao saberem que estão safos do meu implacável julgamento. Aproveitem, porque não vai durar muito tempo... Ainda temos umas continhas a acertar.
Na verdade, não estou desiludido com o eu actual, mas com o eu antigo. O eu antigo era um preguiçoso, um sacana que só queria folia e fugia sempre às responsabilidades. O eu actual ainda é um bocado assim, mas devido à idade já lhe vai ficando mal. E é por isso que o eu actual, hoje em dia (lá está), olha para trás e arrepende-se de muita coisa que não fez.
Podia, por exemplo, ter tirado maior proveito da minha anterior pequenez e "inocência" para apalpar mais uns rabos, mirar uma variedade alucinante de seios ou, até, roubar gelados aos outros meninos sem me acusarem de bullying, ou de gulodice. Mas, mais do que tudo isso, hoje em dia arrependo-me profundamente de não ter começado, desde cedo, o meu próprio calendário de masturbação. Sim, leram bem e não têm nada no olho: Um calendário de masturbação.
"E para que serve um calendário de masturbação?", perguntam vocês levando a mão à boca, claramente horrorizados. E eu pergunto "Hein?", porque com a mão na boca não vos consigo entender. E vocês repetem, já sem a mão. E eu respondo, porque sou fixe: Ora, um calendário de masturbação é uma ferramenta bastante útil para uma pessoa conseguir perceber em quais os dias do ano ainda não se masturbou. Atenção que, quando digo útil, não falo em termos de serviço público. É apenas útil para a pessoa em questão, porque trata-se de uma curiosidade pessoal.
No fundo, é algo que até pode ser aproveitado como tema de conversa num qualquer evento social mais mortiço: "Olha lá, já só me falta masturbar em dois dias do ano para completar o meu calendário: É no dia 13 de Abril, porque esse número dá-me sempre calafrios, e no dia 25 de Dezembro, porque no Natal junta-se a família toda e é lixado um gajo arranjar tempo para estar sozinho." De seguida, o seu interlocutor contará a sua própria experiência em termos de calendarização do onanismo e a partir daí, quem sabe, poder-se-á até formar uma bela e profunda amizade. Bastante profunda.
É uma espécie de troca de cromos raros, de uma caderneta de 365 (ou 366). No caso dos anos bissextos, ficaria desbloqueado o cromo 29 de Fevereiro, que só seria disponibilizado para masturbação de quatro em quatro anos. E quando alguém completasse a caderneta, vulgo calendário, ganhava uma pequena taça do respectivo órgão sexual todo assado, banhado a ouro.
Por tudo isto, que já não é pouco, gostaria de entrar em contacto com o meu antigo eu, aquele miúdo curioso e reguila que eventualmente descobriu que o penduricalho que tinha na zona central do corpo não servia apenas para enfeite, ou para disparar urina fazendo barulhos de raios laser. Eu sei, nem perguntem...
Portanto, esta mensagem é para todos os miúdos em início de carreira onanística que estiverem a ler isto, o que também é sinónimo de terem pais a roçar o negligente: Vão anotando as datas em que se masturbam, porque quando chegarem à minha idade, e se tiverem um problema mental tão grave como o meu, vão ter pena de não saber que dias do ano ainda vos faltam.

Abreijo.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Pouca sorte.

Há várias coisas em relação às quais estou em posição de vos adiantar que nunca irão acontecer enquanto forem vivos. Eu ainda devo viver mais um aninho ou dois do que vocês porque sou porreiro , por isso talvez ainda as presencie. Mas vocês nunca, nunca vão, por exemplo, ver a Selecção Nacional de hóquei em patins ganhar o campeonato mundial de andebol. Garanto-vos! Tal como nunca irão ter uma aplicação para telemóveis que substitua um bom bife com ovo a cavalo e batatas fritas. Bem, quanto a isso já não tenho tanta certeza...
Mas, de todas as coisas que nunca hão-de acontecer na vida, há uma que me parece especialmente impossível: Alguém ligar-nos a divulgar o resultado de um sorteio de rifa, quer tenhamos "ganho" ou não. Escrevo "ganho", assim entre parêntesis, porque, na verdade, e não há quem me tire isto da cabeça porque eu sou comichoso, nunca ninguém chega a ganhar. É verdade, temos aqui a revelação do ano: Os sorteios de rifa são um embuste!
Comprar uma rifa é nada mais nada menos do que fazer caridade, disfarçada de um bom negócio. "Um cabaz com todos os meus produtos lubrificantes favoritos por apenas um euro?" Parece um negócio imperdível, não é? Mas podem ir já andando ao supermercado mais próximo comprar aquele sabão da loiça especialmente pegajoso, porque nunca vão ganhar esse cabaz. Simplesmente porque ele não existe, foi apenas um pretexto para vos sacar um euro! Se vos prometerem uma viagem ou um carro como primeiro prémio num sorteio de rifas, o mais provável é que passem a vida toda em casa de malas feitas, à espera da partida.
"Olha o que me saiu na rifa!" é, e sempre será, apenas uma expressão, porque nunca sai realmente nada a ninguém numa rifa. Só dinheiro do bolso. Mas eu, no fundo, não me importo, porque quando a causa é nobre ou quando a pessoa que me interpela é-me suficientemente próxima para vir a guardar rancor eu até contribuo. Pessoalmente, ainda contribuo com dinheiro, mas já começa a haver quem pague com sexo, ou outras miudezas do género. Depende do bom senso de cada um.
Uma pequena história pessoal: As probabilidades de se ganhar algo numa rifa são tão escassas que um dia venderam-me uma rifa que nem estava numerada, e nem se deram ao trabalho de a preencher com as minhas informações. Portanto, das duas uma: Ou não se deram ao trabalho de colocar os números nas rifas porque já sabiam que não ia haver sorteio, ou o prémio era uma tômbola especial que identificava o vencedor apenas pelo cheiro do papel, e ainda adivinhava o seu número de telefone. O que não seria um prémio mau de todo, diga-se de passagem...
Enfim, apenas sou da opinião de que há maneiras menos óbvias de sacar dinheiro às pessoas. Nos assaltos, por exemplo, é óbvio que estão-nos a sacar dinheiro, mas se estrebucharmos muito ainda podemos levar uma facada ou um tiro como recordação. É sempre uma história gira. Já com as rifas não: Ficamos só com um pequeno rectângulo de papel do qual nos esqueceremos inevitavelmente num qualquer bolso da indumentária que estejamos a usar naquele dia. Mais tarde, quando eventualmente nos indagarmos acerca do paradeiro da pequena rifa, já ela foi cinco vezes à máquina de lavar e tem agora a forma de um golfinho feito de pasta de papel.
E quando chegamos à idade de ter dinheiro para comprar rifas, a pasta de papel já não é tão divertida como era na escola primária.

Abreijo.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Para os meus botões.

Desta vez, e para variar um bocado, venho aqui para me indignar. Já me tinha indignado antes? Peço desculpa então, não tinha ideia disso. Sempre me vi como um pudim de felicidade besuntado com calda de harmonia. Prefiro calda de caramelo, mas já tanta gente me chamou caramelo que não me quis tornar repetitivo.
Então, neste meu estado de pudim de indignação sem qualquer tipo de calda, remeto-me a manifestar o meu profundo desagrado em relação às empresas responsáveis pela manufacturação de roupa. Não falo de nenhum tipo de roupa em específico, nem de nenhuma empresa em particular. E o tema não é assim tão profundo e/ou moralista: Sim, é horrendo que se use mão-de-obra a atirar para o escrava, e outros dilemas morais do género, mas esses assuntos são complicados demais para serem tratados por uma besta-comum como eu. O tema que venho aqui tratar é a faceta condescendente dessas mesmas empresas, e da mania que têm de prever que não vamos conseguir tomar conta das nossas próprias roupas.
Num dia de especial sorte, vou encontrar uma marca de roupa segura de si (e dos seus clientes) o suficiente para não precisar de facultar peças extra. A quantidade de botões e de atacadores extra que tenho guardados, na eventualidade de alguma vez precisar deles, ocupa-me tanto espaço nas gavetas que já pouco lugar tenho para arrumar as roupas propriamente ditas. Por causa disto, a minha mãe ainda hoje diz que eu sou desarrumado, ao que eu rebato que sou apenas uma alma inquieta; mas ela não acredita, e acaba por levar a melhor.
Sou, isso sim, um indivíduo preocupado, pois guardo sempre estas pequenas peças extra para o facto de, sei lá, me cair o botão das calças enquanto danço kizomba numa aldeia remota da África Ocidental. Coisa que nunca aconteceu quer o botão, quer a dança , e mesmo que acontecesse, servia-me de pouco ter a peça necessária guardada numa também remota gaveta em Portugal. Mas às vezes penso que sou um indivíduo preocupado em demasia, porque é relativamente raro alguma vez virmos a precisar daquela peça exacta. Em último caso, e na fraca eventualidade de realmente nos cair alguma peça, podemos sempre improvisar com outra muito parecida, comprada na loja mais à mão ou roubada de uma camisa especialmente feia, que só não mandamos fora porque nos foi oferecida por um familiar com boa memória. Sim, porque botões há muitos, seus palermas!
As marcas de roupa que facultam estas pequenas peças extra estão basicamente a tratar os clientes como crianças irresponsáveis e algo hiperactivas, o que no meu caso pode até ser verdade mas não tem que ser necessariamente no vosso. Ou isso, ou pensam que a forma predilecta das pessoas tirarem as suas roupas quando chegam a casa é arrancando-as da pele, ou dando dentadas nos botões até se conseguirem libertar.
Só há uma justificação plausível para as empresas se dignarem a fazer esta desfeita aos seus clientes: Assumir que estes são gordos demais para o tamanho da roupa que compram. E isso até é bem provável, porque há muito boa gente com corpo de pêssego a tentar ser ameixa.
Mas isso já é problema dos clientes; que deixem de tentar ser divas!

Abreijo.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

(Des)Entendimentos.

O meu pai nunca se opôs a que os seus dois filhos (homens, embora um mais do que o outro) usassem brincos. Avisou-nos sempre, no entanto, que se realmente o quiséssemos fazer, seria ele próprio a fazer o furo com um alicate de furar cintos. O velhote sempre fez isto em tom de brincadeira, mas um bocado como quem diz: "Não quero os meus filhos a andarem por aí com furos no corpos que trabalhei tanto para lhes dar." E eu percebo-o, o cota até é bastante esperto.
Mas não era preciso nada disto, porque também eu nunca fui grande fã de brincos. E não só nos homens, nas mulheres também. Na verdade, custa-me muito ser fã de uma coisa que não compreendo bem. É por isso que também não aprecio lagosta, porque tem uma anatomia muito confusa. E como não quero ter legiões de mulheres zangadas atrás de mim denote-se o adjectivo "zangadas", as que não estiverem podem vir , dou-vos aqui uma oportunidade de me responderem à seguinte questão: Em que sentido é que os brincos melhoram a vossa aparência? Não, a sério, onde é que apunhalar as vossas orelhas pelas costas e trancá-las durante largos períodos de tempo com argolas de metal vos faz mais giras? No máximo, torna-vos mais susceptíveis a serem barradas nos controlos de segurança dos aeroportos, ou a serem confundidas com um porta-chaves especialmente grande.
Sim, bem sei que não só de argolas sobrevive a indústria dos brincos. Existem brincos de todos os tamanhos e feitios, com todas as cores e contra todo o tipo de alergias. Existem brincos para várias partes do corpo, cada vez mais. Só não existe uma coisa: Brincos que vos prendam os neurónios uns aos outros, para que finalmente constituam um grupo coeso. E mais uma vez, como não quero que se chateiem comigo, vamos ao ponto seguinte.
Uma coisa curiosa nos brincos, tenho reparado, é que quanto mais solene ou "de gala" for a ocasião, maiores são os brincos, e mais esticada fica a orelha. Conclui-se, portanto, que quanto mais bem vestidos/as estiverem, maior é a probabilidade de vos conseguirmos ver o buraco. E isso não é bom, até é de muita pouca classe. Mais: É, portanto, imperativo que tenham o cuidado de limpar bem os vossos ouvidos, porque é feio ter a cera a aparecer numa ocasião solene. Confiem em mim... Nunca mais cumprimento ninguém de beijo num funeral.
Outra aspecto que poderia inserir aqui, nesta tão fantástica divagação sobre martirização de orelhas, seria a questão dos alargadores, mas prefiro nem entrar por aí. Pelo tema, não pelos alargadores se bem que alguns têm espaço suficiente para servir de poiso a vários pássaros de pequeno/médio porte.
Depois de tudo isto, o que vos posso dizer mais? Tratem-se, e tratem bem das vossas orelhas. Elas são-vos bastante úteis, e não é justo o que lhes estão a fazer. A menos que sejam surdos, nesse caso basta dar-lhes umas palmadinhas de vez em quando. Quem sabe não terão aí um brinco preso, a tapar-vos o canal da audição.

Abreijo.