terça-feira, 22 de julho de 2014

Apreensões bucais.

Podem dizer que não à vontade, mas eu cresci. No entanto, quem disser que não, é cócó.
Sim, é verdade, cresci em muitos aspectos. Hoje em dia, não só sou capaz de chegar às prateleiras mais altas da casa como também sou capaz de discutir, sem risinhos parvos, variados temas da actualidade com outras pessoas, desde que não envolvam demasiados sentimentos. Já a tabuada, essa, continuo sem a saber de cor.
Contudo, talvez o aspecto preocupante da minha infância em relação ao qual se nota algum progresso da minha parte seja o meu medo de perder os dentes de leite. Sim, é verdade. Em miúdo, uma das coisas que mais me apavoravam era a inevitabilidade de vir a ficar sem dentes de leite. Podem chamar-me parvo à vontade, embora o acto de chamar parvo a um miúdo não abone muito a vosso favor. São piores do que as crianças, vocês!
Ora, porquê este medo precoce de um acontecimento tão banal como perder as trituradoras bucais de leite, perguntam vocês? Vá, perguntem, estou à espera... Pronto, vou responder: Porque gosto de estar sempre preparado. Sou uma pessoa que, desde cedo, se identificou com aquela ideia de um homem prevenido valer por dois, de modo que gosto de ter sempre suplência. Por isso, gostava de ter sempre um conjunto de dentes extra para reserva, pois nunca se sabe quando vão ser precisos. Sim, é verdade, não confio a mim próprio nem os meus dentes! Eu não sei bem do que sou capaz, e há gente para tudo.
No entanto, posso garantir-vos que este receio em relação ao desamparo oral que é característico aos seres humanos já foi muito pior. É verdade que passei metade da minha infância descansado, pois por alguma razão álcool, quem sabe , pensava que depois dos dentes de leite ainda tinha mais um conjunto de reserva. Uma espécie de dentes de café com leite, digamos, para os já mais crescidos. Descafeinado, claro, e de leite magro para não espicaçar o colesterol. Mas quando me contaram toda a verdade, fiquei preocupadíssimo. Todos aqueles serões a comer doces teriam que passar a ser apenas meios-serões a comer meios-doces, porque afinal só ia ter dois conjuntos de dentes em vez de três.
Foi a partir dessa altura que eu, havendo até então ignorado por completo o bem-estar dos meus aparelhos de trincamento, passei a tratá-los da mesma forma que uma senhora de meia-idade abastada trata os seus caniches: Escovando-os todos os dias e dando-lhes banho com produtos especiais. A ração, essa, também é de requinte, porque já não deixo os meus dentes mastigarem coisas rascas.
No fundo, hoje em dia posso orgulhar-me de ter uma boca com pedigree e muito poucas, se não nenhumas, carraças.

Abreijo.

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