segunda-feira, 25 de março de 2013

Elasticidade cultural.

Um dia, estavam os meus pais em casa a ver o "Preço Certo em Escudos" quando a minha mãe deixou cair o comando da televisão e baixou-se para ir apanhá-lo. O meu pai, encarando aquilo como um sinal provocativo de acasalamento, agarrou nela pelos cabelos, disse "Uga, uga!" e arrastou-a até ao quarto, onde atearam chamas sem sequer precisar de roçar duas pedras. É mais ou menos assim que imagino a minha concepção.
Ora, dali a nove meses nasci eu, que hoje em dia vos escrevo para falar acerca do país onde nasci. Sim, porque apesar de tudo o que se lhe possa apontar, Portugal chega mesmo a ser um país. E mais do que isso, é um país de coisas maravilhosas. E porquê, por causa dos seus pastéis de nata ou do seu património histórico rico em porrada entre familiares? Não, por causa dos seus pavimentos. E começam já vocês a pensar: "Então mas ele vai falar de calçadas, e tal? Que piada é que isso tem?" Nenhuma, de facto. E se soubessem esperar, deixavam-me explicar. Está bem?
De facto temos calçadas muito belas e distintas, constituídas por paralelos que, bem arremessados, são capazes de deixar mossas bastante bonitas no carro do chefe da empresa. Mas toda a gente sabe que, hoje em dia, cada vez se vê menos se vê deste tipo de pavimentação. E porquê, por causa da maior facilidade em se alcatroar as estradas? Porque a calçada faz dói-dói na viatura? Também, mas não só. Cada vez se vê menos calçada porque esta está a ser obliterada pela indústria das pastilhas elásticas.
Hoje em dia é, de facto, raro vislumbrar-se calçada. O que vemos é um sem-fim de figuras coloridas e de formas diversas no chão, já ressequidas do Sol. Aquela brincadeira de olhar para o céu e identificar figuras nas nuvens pode agora ser feita observando-se o passeio a caminho do quiosque lá da rua. No outro dia podia jurar ter visto um comboio inter-cidades numa pastilha cor-de-rosa que me ficou presa na sola do sapato. Escusado será dizer que a diversão é imensa! Quando tiver filhos, ofereço-lhes todos os natais um puzzle feito de paralelos: "Descubram o objecto de casa-de-banho que se consegue formar com todas estas pastilhas elásticas, que foram mastigadas por desconhecidos!", direi eu todo entusiasmado e com os dedos em ferida de ter andado a arrancar pedras da calçada.
Agora fora de brincadeiras, do que este país precisa é de um Pastilhão em cada esquina. E não falo daqueles "pastilhões" que ficam até às 7h da manhã nas discotecas da baixa da cidade a espumar-se pela boca, até porque as pastilhas destes até nem incomodam muito o ambiente. Falo, sim, de um contentor do lixo reservado especialmente para pastilhas elásticas, que quando ficasse cheio se pudesse, por exemplo, destruir e fazer uma espécie de boneco de neve multi-colorido com o conteúdo.
Era limpeza da via pública e arte contemporânea, ao mesmo tempo.

Abreijo.

Aprender irritando.

Depois de todas as facetas de indignação que aqui já vos transmiti, não me admiraria que ficassem com a ideia de que sou uma pessoa antipática. Mas não, na verdade sou tão simpático como um cão com cio. Com jeito até sou capaz de me agarrar à vossa perna, se gostar mesmo de vocês.
No entanto, tenho que admitir que por vezes tento evitar certos tipos de pessoas. Mas tipos muito específicos, que vão um bocado além daqueles que a generalidade das pessoas tenta ao máximo evitar. Com drogados posso eu bem, por exemplo, pois temos mais ou menos o mesmo estado mental. E até com políticos me dou bem, principalmente porque quase só os vejo na televisão. Também não faço muita questão de aprofundar amizades com eles. Tento, isso sim, evitar ao máximo pessoas que me irritam profundamente, daquelas que se tivesse uma pistola à mão era capaz de disparar sem hesitar. Não para elas, mas para os seus tios-avós mais chegados, ou assim. Só para aprenderem!
E é raro haver quem me consiga irritar mais do que pessoas que estão a tirar a carta de condução. E atenção, não estou a falar de pessoas que já têm licença para conduzir! Falo, isso sim, de pessoas que ainda estão em vias disso. Tirar a carta de condução é como uma gripe, é algo que dá e passa. E ainda bem que assim é, porque nessas alturas as pessoas ficam insuportáveis e nem com termómetros no recto isso lhes passa. Acreditem, eu já tentei...
E ficam insuportáveis porquê? Porque as pessoas que tiram a carta de condução querem sempre tentar ao máximo mostrar que sabem. Quando se está a tirar a carta, os níveis de show-off de uma pessoa aumentam na casa dos 98,73%, de acordo com números oficiais... do meu cérebro. E isso até se percebe num contexto de aula, ou de uma prova de avaliação. Em qualquer outro contexto, não é assim tão relevante. Porque, vejam: às pessoas que nunca tiraram a carta de condução não lhes serve de nada que andem a balbuciar factos rodoviários a toda a hora, elas simplesmente não fazem nem querem fazer ideia do que vocês estão a falar; às pessoas que já tiraram a carta de condução, provavelmente também lhes servirá de pouco porque, lá está... já tiraram a carta!
No entanto, continua a haver uma quantidade alarmante de parvalhões que não conseguem acabar um café curto com amigos sem lhes falar em contra-ordenações graves, ou ir de pendura num carro sem dar palpites acerca do estacionamento da pessoa ao volante. Se está ao volante, muito provavelmente já sabe conduzir! Certo? Certo.
E depois passa-lhes. Como por milagre, mal estes indivíduos começam finalmente a conduzir acabam por perceber que os seus conhecimentos não eram assim tão especiais. (Quase) Todas as pessoas que andam na estrada também os tinham. Afinal, não eram nenhuns génios rodoviários. Incrível, não é?
Eu, por exemplo, raramente fazia isso na escola. Independentemente da quantidade de conhecimentos que tivesse, não fazia muita questão de os debitar. Na maior parte das vezes, até me tentava esconder debaixo da saia da Carla "Badalhoca" sempre que o professor fazia uma pergunta para a turma. Às vezes fazia-o só por lazer, tanto meu como dela. Mas na maior parte das vezes era por causa disso das perguntas...

Abreijo.

terça-feira, 12 de março de 2013

Um texto naj'oras.

Introdução relativamente longa e que pouco ou nada tem a ver com o assunto tratado no desenrolar do texto mas que mesmo assim é escrita, possuindo uma tonalidade cómica, não só para me acharem uma pessoa extremamente interessante e engraçada, mas também para ocupar espaço.
Bom, chegou a hora. De quê? Disto. E calha bem, porque quero-vos falar precisamente sobre as horas. Não tenho nada contra as horas, até acho que é uma forma muito boa de nos orientarmos e tal. Evitamos estar a olhar para o Sol cada vez que queremos saber em que altura do dia estamos. Diz que faz mal à vista. E o que durante a noite ainda é mais difícil, porque o Sol esconde-se e uma pessoa fica sem saber se é hora de almoçar ou de cear. Há quem diga que quando o Sol se esconde significa que anoiteceu, mas eu prefiro não dar voz a esses extremismos pouco fundamentados...
O verdadeiro problema aqui é a forma como muitos de vocês (sim, vocês!) decidem transmitir as horas. Se eu quiser dizer "São 8:50h", tenho à minha escolha três formas de comunicar esta informação. A primeira, e a meu ver a mais consensual, será: "São oito e cinquenta". É simples e é rigorosa, pois é sem tirar nem pôr aquilo que o nosso relógio nos diz. Estamos a transmitir ipsis verbis a informação que acabamos de ler.
A segunda forma que arranjamos para dizer as horas, e aqui já começamos a entrar no campo do improviso, é: "São dez para as nove". E até aqui tudo bem, é uma técnica já mais arriscada de transmissão de informações horárias mas ainda bastante aceitável. Não há mal nenhum nisso. Desde que, lá está, continuemos no espaço temporal presente.
Sim, porque a terceira forma de dizer as horas, talvez a mais frequente hoje em dia, pretende ser mais original e ir mais além do que as outras, acabando por ficar no entanto com fortes tonalidades de "bazófia". É, então, aquela fantástica formulação: "São nove menos dez". Epá, porquê?! Para quê essa pressa toda? Não estão satisfeitos com as oito horas? Elas fizeram-vos assim tão mal para já se quererem situar nas nove horas? Porque é que falam sempre como se já estivessem na hora a seguir, menosprezando a hora em que realmente estão? Isto não vale como viagem no tempo, meus senhores e minhas senhoras. Só porque dizem que são seis menos vinte não significa que estejam na dianteira em relação às pessoas que dizem que são cinco e quarenta. Estão ambos no mesmo espaço temporal.
É que se querem avançar assim tanto no tempo, então podemos dizer: "São quatro menos uma hora", o que significa que são três horas. Porque não? Ou então: "São vinte e quatro menos doze horas", sendo, então, meio-dia. Já que é para aparvalhar, então que sejamos megalómanos. E mesmo noutros contextos, porque não dizer à senhora do mercado: "Olhe, queria três quilos de laranjas menos um". O que significaria que só queríamos dois quilos de laranjas e muito provavelmente um murro na cara por parte da senhora. Elas não brincam.
É isto, caros leitores. Deixem de querer ser mais do que são no que diz respeito ao espectro temporal. Se ainda não estiverem convencidos, então pensem: não vos dá mais trabalho dizer "Tenho trinta e quatro anos menos três", do que dizer "Tenho trinta e um anos"? Para além de que se disserem que são nove menos dez parece que querem ser dez minutos mais velhos à força. Tenham calma, não é por avançarem dez minutos no tempo antes de todas as outras pessoas que já vão ter idade suficiente para conduzir e figurar em pornografia.

Abreijo.

sábado, 9 de março de 2013

A mentira e o caprino.

Pantufa. Pantufa, pantufa, pan-tu-fa, pantufa. Gosto bastante da palavra pantufa... Infelizmente só costumo usar chinelos.
Bom, fui difamado. Acusaram-me de ser mentiroso porque, para efeitos de comédia, disse ter feito algo que na realidade não fiz. Foi apenas uma pequena invenção para dar outra cor à piada que formulei na altura, na minha cabeça. Mas fui descoberto, e agora não consigo dormir. E porque é que não consigo dormir? Porque tenho um vizinho novo cujas cordas vocais estão convencidas de que são familiares directas das cordas vocais do Pavarotti. Mas só de manhã durante o banho, quando ele sai do banho voltam ao seu estado normal. O meu vizinho, não o Pavarotti... Enfim.
Não, isso não me incomoda minimamente. Chamem-me aldrabão à vontade que eu não me importo. No que toca ao humor, a aldrabice chega a ser uma arte, quando bem aplicada. De facto, a mentira faz muitas vezes parte da própria essência do factor cómico. Quem nunca acrescentou certos factos a uma história para a tornar mais engraçada? Se eu disser que o Tobias foi a uma reunião de trabalho sem gravata porque entornou-lhe café em cima, a história não é assim tão engraçada. No entanto, se eu disser que o Tobias foi a uma reunião de trabalho sem gravata porque emprestou-a a um panda que queria cometer suicídio por não ter conseguido entrar num novo filme da Disney, a história já se torna mais interessante. E atenção, este é um exemplo onde só se substituem alguns elementos da história.
De facto, há casos em que a própria história na sua totalidade é inventada. Porque as histórias contadas muitas vezes nem aconteceram. Se eu disser: "Um inglês, um francês e um português foram a um bar..." Não pá, não foram! Podem ter ido a um bar, mas cada um na sua vez. Acho muito difícil terem ido todos juntos. A menos que estejamos a falar na cafetaria da sede da ONU, aí pode muito bem ter acontecido. Ora, isto é logo o início da história. Se a história já começa com uma mentira, torna-se óbvio que o resto também o será. Mas com este tipo de piadas vocês não reclamam! Sabem que é mentira, mas papam tudo! Já eu não posso dizer que usei um pé-de-cabra para assaltar um multibanco mas depois fui devolvê-lo à cabra porque ela batia sempre com o focinho no chão quando tentava andar. Disso vocês já não papam, é uma mentira e um ultraje! Mas tem piada, portanto digo-o. Desde que essa mentira não prejudique ninguém, não há problema. Neste caso até foi bom para a cabra, que todos os dias me agradece com dois queijos pela manhã. Já só tenho que comprar o pão.
E depois há ainda as mentiras que são ditas só para que se possa introduzir um determinado tema. Como esta história de me terem chamado de mentiroso. É mentira, foi só para poder escrever este texto.
Até loguinho.

Abreijo.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Ócio gregoriano.

Antigamente, bastava passar-se aproximadamente quinze minutos num qualquer café para se ouvir a expressão: "Isto está mau!" Hoje em dia, basta sair à rua e ouvimos um senhor a dizer isso ao seu cão, que acabou de defecar em pleno passeio. Só o dinheiro gasto em sacos de plástico implica menos um bife por semana para o pobre senhor. É da maneira que vai menos vezes ao supermercado e adquire menos sacos de plástico. Olha, boa...
De facto, a vida está difícil para todos. Quer dizer, para quase todos. Sim, porque existem certas entidades que ainda agem como se não fosse nada com elas, que ainda vivem na ostentação e na ociosidade. Mas esta gente não tem televisão em casa, não vê as notícias? Falo, como é óbvio, no mês de Fevereiro. Sim, o mês de Fevereiro! Poder-se-á classificar um mês como uma entidade? E se sim, será relevante aferir se tem televisão em casa ou não? São tudo questões deveras interessantes, que só não respondo de modo a fomentar o vosso espírito crítico.
Ora bem, feito o engonhanço inicial, e apresentado o tema, vamos aprofundar a questão mesmo até lá abaixo. Fevereiro é preguiçoso. Fevereiro é aquele gajo que nunca aparece no planeamento e na elaboração dos trabalhos, mas que não falha no dia da apresentação. Basicamente, Fevereiro é um mês indolente e armado em vedeta. Trabalha menos que os outros, mas mesmo assim acha-se no direito de figurar no calendário. E logo num dos primeiros lugares! Porque, vejamos: Alguns meses têm trinta e um dias, outros só têm trinta. E tudo bem, uns são menos produtivos que outros mas ainda assim vê-se que se esforçam. Junho, por exemplo, compensa o dia a menos de trabalho com o facto de ser um mês no qual o calor já aperta bastante e as meninas começarem a sentir necessidade de esquecer a existência de roupa. E, assim, todos ficam contentes.
Agora, vinte e oito dias?! A sério, Fevereiro... A preguiça tem limites! Não queres trabalhar, dá lugar a outro mês qualquer. (Reparem que estou a falar em discurso directo com... um mês. Portanto, é isto. Estou a falar com um mês. E não me droguei, juro!) Em vez do Fevereiro, instituímos o... Ladrilheiro. Olha, nem fica mal: Janeiro, Ladrilheiro, Março... Ou então ficamos só com 11 meses oficiais, pronto. Mas que sejam meses a sério! O resto do tempo aproveitamos para comer uma merenda, ou para visitar a nossa avó que vive do outro lado da floresta. Aquilo ainda é grande, e leva o seu tempo.
Mas como todos os preguiçosos, vemos que também o mês de Fevereiro não vive de consciência livre. Por vezes esta pesa-lhe tanto que lá de quatro em quatro anos ele lembra-se de trabalhar mais um dia. Mais um dia, vejam bem! Meu Deus, que custoso... É que nem nesses anos Fevereiro alcança o nível de produtividade dos outros meses. É o mesmo que eu pensar: "Pronto, em quatro anos não ajudei a minha mulher com as limpezas da casa. Amanhã vou levantar os pés quando ela passar o aspirador!" Não serve de nada, caríssimo Fevereiro. A inutilidade continua lá!
E dizem vocês: "Mas tu nem tens mulher!" E eu respondo afirmativamente, com um gracioso aceno de cabeça, arrastando-me tristemente para os meus aposentos.

Abreijo.