Um dia, estavam os meus pais em casa a ver o "Preço Certo em Escudos" quando a minha mãe deixou cair o comando da televisão e baixou-se para ir apanhá-lo. O meu pai, encarando aquilo como um sinal provocativo de acasalamento, agarrou nela pelos cabelos, disse "Uga, uga!" e arrastou-a até ao quarto, onde atearam chamas sem sequer precisar de roçar duas pedras. É mais ou menos assim que imagino a minha concepção.
Ora, dali a nove meses nasci eu, que hoje em dia vos escrevo para falar acerca do país onde nasci. Sim, porque apesar de tudo o que se lhe possa apontar, Portugal chega mesmo a ser um país. E mais do que isso, é um país de coisas maravilhosas. E porquê, por causa dos seus pastéis de nata ou do seu património histórico rico em porrada entre familiares? Não, por causa dos seus pavimentos. E começam já vocês a pensar: "Então mas ele vai falar de calçadas, e tal? Que piada é que isso tem?" Nenhuma, de facto. E se soubessem esperar, deixavam-me explicar. Está bem?
De facto temos calçadas muito belas e distintas, constituídas por paralelos que, bem arremessados, são capazes de deixar mossas bastante bonitas no carro do chefe da empresa. Mas toda a gente sabe que, hoje em dia, cada vez se vê menos se vê deste tipo de pavimentação. E porquê, por causa da maior facilidade em se alcatroar as estradas? Porque a calçada faz dói-dói na viatura? Também, mas não só. Cada vez se vê menos calçada porque esta está a ser obliterada pela indústria das pastilhas elásticas.
Hoje em dia é, de facto, raro vislumbrar-se calçada. O que vemos é um sem-fim de figuras coloridas e de formas diversas no chão, já ressequidas do Sol. Aquela brincadeira de olhar para o céu e identificar figuras nas nuvens pode agora ser feita observando-se o passeio a caminho do quiosque lá da rua. No outro dia podia jurar ter visto um comboio inter-cidades numa pastilha cor-de-rosa que me ficou presa na sola do sapato. Escusado será dizer que a diversão é imensa! Quando tiver filhos, ofereço-lhes todos os natais um puzzle feito de paralelos: "Descubram o objecto de casa-de-banho que se consegue formar com todas estas pastilhas elásticas, que foram mastigadas por desconhecidos!", direi eu todo entusiasmado e com os dedos em ferida de ter andado a arrancar pedras da calçada.
Agora fora de brincadeiras, do que este país precisa é de um Pastilhão em cada esquina. E não falo daqueles "pastilhões" que ficam até às 7h da manhã nas discotecas da baixa da cidade a espumar-se pela boca, até porque as pastilhas destes até nem incomodam muito o ambiente. Falo, sim, de um contentor do lixo reservado especialmente para pastilhas elásticas, que quando ficasse cheio se pudesse, por exemplo, destruir e fazer uma espécie de boneco de neve multi-colorido com o conteúdo.
Era limpeza da via pública e arte contemporânea, ao mesmo tempo.
Abreijo.