quarta-feira, 25 de março de 2015

A paixão tem limites.

Caros casais apaixonados,

Sei que estão habituados a que as pessoas à vossa volta critiquem a vossa eterna pirosice, mas eu vou ainda mais longe: vou explicar-vos o porquê de as vossas pirosices serem, vá lá, parvas e, por extensão, criticadas.
Eu sei, o amor é lindo! Encontraram no(a) vosso(a) companheiro(a) aquilo que necessitavam para completar a vossa vida, nomeadamente carinho e outro órgão sexual que não o vosso. Percebo isso, a sério que sim... Mas não é por chamarem nomes estranhos e, sinceramente, perturbadores ao vosso parceiro que vão demonstrar ter um maior carinho por essa pessoa.
Senão, veja-se: os meus avós estão casados há várias dezenas de anos e, quando a minha avó chama o meu avô de bode, ele chama-a de mula; quando a minha avó o chama de porco, ele chama-a de galinha; quando ela o chama de boi, ele chama-a de cabra... Isto tudo porquê? Em primeiro lugar, porque os meus avós têm uma quinta com muitos animais e a falta de memória já não lhes permite lembrarem-se do nome um do outro. Depois, porque esses são os únicos termos carinhosos que eles conhecem, já que foram habituados a guardar as pirosices todas numa caixinha e atirá-la ao mar.
Contudo, isso não implica que se amem menos do que aquelas pessoas que se referem ao seu companheiro como, por exemplo, a sua "alma gémea". Mas esta gente ainda não reparou que, sendo elas gémeas, estão a incorrer em incesto de almas? Se duas almas gémeas tiverem um filho, esse irá nascer com uma alma deficiente ou com sérias possibilidades de ter um atraso? E se as almas são assim tão gémeas, o que as fez ser separadas à nascença? Houve uma troca no hospital das almas? E se, eventualmente, o casal se divorciar, as almas deixam até de ser família?
Depois, há a "cara-metade". O que é uma cara-metade? Estiveram a viver só com metade da vossa cara estes anos todos, antes de encontrarem o resto? Não admira que tenham demorado tanto a encontrá-la, porque ninguém gosta de pessoas só com meia cara... Uma vez, obrigaram-me a ver um filme de terror onde, a certa altura, alguém ficava sem a cara. Num caso desses, mesmo que essa pessoa encontrasse uma cara-metade, iria sempre faltar a outra metade, uma falha que teria de ser colmatada com ainda mais uma pessoa, vulgo cara-metade. Ou seja, acabaria por se tornar numa relação a três, e todos sabem que isso é pior do que qualquer filme de terror.
Por fim, existe o "mais-que-tudo", que acaba por ser um bocado paradoxal. Ora, o tudo engloba o vasto leque de coisas que existem na nossa realidade, e é impossível haver mais do que tudo. Tudo é tudo, e é melhor do que nada. Mais-que-tudo é só estúpido! É como uma criança argumentar com "vezes infinito" e a outra responder com "vezes infinito, mais um". Não faz qualquer espécie de sentido, até em termos matemáticos.
Queria agradecer, portanto, a vossa disponibilidade, prometendo não interromper mais a vossa vida conjugal a menos que continuem com estas tretas.

Sem mais assunto, de momento,
Com os meus melhores cumprimentos,
Um gajo que vos observa.
(Mas não de forma estranha.)

Abreijo.

quarta-feira, 18 de março de 2015

A essência do bocejo.

Eu não quero parecer aborrecido, mas... Porque é que abrimos o raio da boca quando estamos aborrecidos? Ou cansados? Ou sonolentos? Ou tudo junto?
Bocejar é algo que faço há dezenas de anos, mas só agora me lembrei de questionar o porquê. Se o tivesse feito mais cedo, talvez tivesse engolido menos moscas da fruta ao longo da vida. Não sei porquê, mas o raio dos bichos pelam-se pelo interior da minha boca. Eu nem sequer como assim tanta fruta quanto isso...
Não questiono, no entanto, o que nos leva a bocejar. Compreendo que haja uma série de reacções químicas e corporais relacionadas com o cansaço que nos levem a fazer isso. Questiono, isso sim, o porquê de ser aquela reacção, e não outra. Porque é que não nos dá para espirrar ou para bater palmas, quando estamos cansados? Até era da maneira que nos mantínhamos acordados...
Mas não, o que acontece é que abrimos a boca que nem um hipopótamo no dentista, dilatamos imenso as narinas e ficamos com umas espécies de espasmos na garganta que nos contraem as vias respiratórias, o que, no fundo, imagino que sejam um pouco como fazer sexo sadomasoquista. Não sei, nunca fiz... Nem sexo, nem sadomasoquismo. Ouviste, mãe?
Outro problema é que o raio da coisa é contagiosa! Uma pessoa pode ter acabado de dormir umas boas oito horas no camarote presidencial de um bom hotel à beira-mar, mas se a funcionária que lhe for buscar os lençóis para lavar abrir a boca que nem um alarve, então todo aquele quarto passa a parecer uma peça de ópera onde senhoras gordas cantam palavras indecifráveis num tom que só os cães conseguem ouvir.
Porque, é o seguinte: os carros têm um tubo de escape; os comboios, para além de um apito que "lá vai a apitar", têm uma caldeira; as fábricas têm chaminés; e até algumas panelas têm um buraquinho por onde guincham quando já estão muito quentes e cansadas. Já os seres humanos, e alguns outros animais, têm só uma figura ridícula e que lhes servem de pouco, já que, independentemente das vezes que bocejarem, o sono e o cansaço vão continuar sempre lá, até finalmente irem dormir.
Outra característica irritante do bocejo é que dificilmente se consegue disfarçar. O caro leitor deverá conhecer perfeitamente, até pela experiência, a cara com que ficamos quando tentamos esconder um bocejo... Parece que voltamos ao tempo em que éramos puros símios e comemos uma banana especialmente podre sem dar conta.
No fundo, a minha indignação deve-se ao facto de apenas aceitar abrir a boca várias vezes ao dia por duas únicas razões: ou porque estou a comer snacks de amendoins e quero colocar a maior quantidade possível deles entre as mandíbulas, ou porque estou a passar o dia numa praia a contemplar seios especialmente belos e abro a boca, não só por admiração, mas também porque tenho esperança que algum daqueles voluptuosos pares me vá parar a cada uma das bochechas da cara.
Tudo isto para dizer que não entendo o bocejo, pronto. Agora vou dormir, porque já bocejei três vezes em frente à janela do quarto e tenho medo que os vizinhos chamem a polícia por pensarem que estou a gritar com alguém cá em casa; ou isso, ou que estou a treinar uma ópera de Puccini.
Em qualquer dos casos, não admito que pensem isso de mim.
Abreijo.