segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Exclusões de estação.

Sempre ouvi dizer que a vida era injusta, e nunca entendi bem o significado desta afirmação. Quer dizer, é claro que também achava injusto ver muitas vezes na televisão os povos asiáticos a plantar arroz durante todo o dia e serem só africanos a comerem-no, à tigelada. Pelo menos foi o que deduzi das imagens transmitidas... televisão não é o meu forte, principalmente a portuguesa.
Mas num sentido mais profundo, só muito recentemente percebi a profundidade do significado de injustiça. Foi agora mesmo, vá, ao deparar-me com uma problemática à qual nunca tinha ligado muito, mas que todos os dias me aflige: o fosso entre a quantidade de privilégios do tronco e das pernas. Isto é...
Está frio! Esta afirmação nenhum português que nunca tenha emigrado para as regiões Norte pode negar. E estando frio, as pessoas têm uma tendência para vestir mais roupa, para brincar nus debaixo dos cobertores com os seus Action Man's ou, até, para despejar por cima de si umas quantas sopas de nabiças a ferver, até que a pele fique tão dormente que deixam de sentir o que quer que seja.
Para os dois últimos casos, desejo a melhor das sortes nos seus futuros próximos, e que tudo lhes corra pelo melhor apesar das circunstâncias mentais. No entanto, quem decide optar pela primeira medida depara-se com um paradoxo enorme que incide no modo como encaramos as roupas, hoje em dia.
Senão, vejamos: está frio, vou vestir umas cinco camisolas, dois gorros, umas luvas, e um cachecol e só não espeto aqui uma máscara na face porque já fizeram um filme sobre isso e o rapaz pelos vistos comia pessoas, e era desagradável para elas. E as pernas? O que fazemos para proteger as pernas, meus amigos? Eu não consigo ter frio só num sítio, normalmente quando tenho é em todos. Então como fazemos? "Ah, vestimos um par de calças." Sim, mas isso é usual, porque se não o fizéssemos íamos para a Disney trabalhar o dia todo com um fato de marinheiro e um bico amarelo. E agora, que outra solução há? Podemos sempre vestir um kilt, mas o verdadeiro truque da sua utilidade está no whisky que bebe quem o usa. Esse sim, aquece o corpo todo. Quando éramos pequenos tínhamos um truque porreiro, que era o urinar nas calças. Hoje em dia, alguns de nós já mais crescidos, parece-me de mau gosto estar a usar esta cartada, não só porque já a usamos nos nossos tempos de glória e convém inovar, mas também porque, vá-se lá saber porquê, a partir de uma certa idade o acto já não se revela socialmente aceitável.
Então, o que fazer? Podemos usar três pares de calças quentinhas e gozar com as pessoas que passam por nós na rua só com um, mas aí estar-lhes-íamos a dar legitimidade para nos chamar estúpidos. E com razão. Para além de que existe toda uma problemática característica aos homens que faz com que esta solução se torne inviável e até um bocado desconfortável.
Podemos também aderir àquela brilhante ideia de algumas mulheres de que as meias-calças ou as leggings são igualmente quentes e cómodas, mas prefiro nem começar nesse assunto, que me dá voltas ao estômago. Para além de que, e outra vez relativamente à maior parte dos homens, essa solução não seria agradável de todo, por razões várias e de conhecimento geral.
Então qual a solução? Hoje em dia ainda não se inventou a tecnologia necessária para dar uma resposta a esta questão. O melhor que podemos fazer é enfiar nos pés uns três pares de meias tricotadas pelo elemento mais idoso da nossa família, e deixar a zona das pernas propriamente dita à mercê das temperaturas, esperando que não caiam com o frio.
Ou então ler um livro à luz da lareira com uma manta em cima das pernas. Mas já ninguém lê livros, hoje em dia.

Tak,
Abreijo.