sábado, 8 de março de 2014

Liso e complicado.

Bem sei que me imaginam como um velho sabujo do mar, com a barba esbranquiçada pelo avançar dos anos e por resquícios de ressalga de outros tempos. Mas tal como todos os sabujos, a minha sabujice, por muito vasta que seja, não consegue alcançar todos os campos do conhecimento. Há, em mim, um delineamento de limites involuntário, mas necessário, que me impede de ter uma compreensão enciclopédica acerca de, por exemplo, atributos de champôs.
Isto tudo para dizer que não me entendo com as embalagens dos champôs, pronto. Ou melhor, até já me consigo entender mais ou menos, mas até há bem pouco tempo não conseguia. Na minha mente algo simples e ingénua de outros tempos dois ou três meses, aproximadamente eu pensava que, por exemplo, um champô para cabelos "lisos e sedosos" só servia a quem já tinha cabelos lisos e sedosos, e gostaria de os manter. No entanto, ao que parece, este tipo de champôs destina-se mais a quem não tem cabelos que se enquadram nesse formato, mas gostaria de vir a ter! E foi com esta súbita realização que o Mundo passou a fazer muito mais sentido, não só o mundo da centrifugação capilar com recurso a produtos químicos vendidos em frascos, mas o Mundo em geral.
Realmente, e agora que reflicto bem sobre este sistema de caracterização de champôs, faz mais sentido que assim seja. Senão, vejamos: Se só as pessoas com cabelo "saudável e brilhante" comprassem champôs para cabelos saudáveis e brilhantes, então só se vendiam um ou dois frascos a cada três meses. Pelo menos a julgar pela minha rua, que é composta maioritariamente por cabeleiras de meia-idade e já com poucas tenções de tentar impressionar alguém. Assim, teríamos uma indústria tremendamente fragmentada, onde cada pessoa apenas adquiria o champô que mais se adequasse ao seu tipo de cabelo.
Mas, esperem... Então para quê os champôs para cabelos "oleosos", "secos" ou "espigados"? Serão para quem não tem e gostaria de ter vá-se lá saber porquê , ou para quem já tem cabelos oleosos, secos ou espigados? Vêem, estou confuso outra vez! E com isto lá vão três meses de intensa meditação pelo ralo abaixo; e alguns cabelos, porque quando eu medito intensamente vou-lhes dando puxões.
Torna-se óbvio, portanto, que a indústria dos champôs anda repleta de mentiras. Uma vez, por exemplo, experimentei um champô "caracóis perfeitos" e meu cabelo continuou liso, sem sequer um canudinho se formar. Logo aqui se vê o nível de trapaça e de engano a que estamos sujeitos. Num outro episódio, quando era pequeno, fiquei a dormir em casa de um primo meu. À noite, quando fui tomar duche, vi que o meu tio, solteiro, tinha comprado um champô contra o "excesso de oleosidade". Ora, o meu tio é careca... Quanta oleosidade terá ele, realmente, para justificar a compra de um champô com aquelas características? E se ele usasse um champô contra a queda de cabelo, voltaria a ser cabeludo?
Um dos poucos champôs que é claro e conciso ao ditar o propósito da sua missão é o "anti-caspa". Com um champô anti-caspa, sabemos sempre o que esperar: Estará ali para devolver ao cabelo o seu brilho natural? Não, com certeza. Estará ali para dar mais volume e vida ao seu cabelo, seja lá o que isso significa? Claro que não, ora! O champô anti-caspa está ali, muito simplesmente, para dar um grande chuto no minúsculo rabo da caspa e atirá-la borda fora. Ponto.
E, desde que faça bem o seu trabalho, por mim está óptimo.

Abreijo.

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