terça-feira, 11 de março de 2014

Guinchos e cantigas.

Um dia imaginei a minha vida sem música, e não gostei. Os meus duches tornar-se-iam aborrecidos e, muito provavelmente, teria finalmente que comprar uma daquelas esponjas feitas numa espécie de rede de pesca abichanada para me entreter, e para apimentar a minha relação com a água doce. Também conseguiria chegar mais facilmente às zonas difíceis, o que é sempre positivo. As minhas costas, por exemplo, já não são bem esfregadas desde que deixaram de me dar banho. Já tentei convencer a minha mãe a dar-lhes uma boa ensaboadela, em honra dos bons velhos tempos, mas hoje em dia ela já só acha estranho, e com alguma razão.
Por isso, sim, eu gosto bastante de música! E até sou bastante receptível a novas sonoridades, sejam-me elas apresentadas pelos meus pares ou pelos artistas extravagantes das estações de metro. No entanto, torna-se difícil ser adepto de novas sonoridades quando a própria pessoa que nos tenta apresentar a sonoridade não nos deixa sê-lo. Falo, pois claro, daqueles indivíduos que tentam impingir determinadas músicas aos outros, mas que se põem a cantar ao mesmo tempo que o artista.
Gente, eu percebo o vosso entusiasmo, juro que percebo! Mas se não se calarem, estão a auto-boicotar-se. Quando me aconselham a ouvir determinada música e depois se põem a cantarolar os vocais ao mesmo tempo, eu não consigo apreciar devidamente a música. E eu até sou uma pessoa que gosta de apreciar devidamente coisas, desde rabos a espectáculos de dança contemporânea. Depois, temos ainda as pessoas que, não satisfeitas com a nobre arte de cantar por cima dos coros das músicas, ainda trauteiam o instrumental, e guincham os solos de guitarra. E, no fim, perguntam: "É fixe, não é?"; ao que eu respondo: "Não faço ideia, só vim aqui para pedir uma xícara de açúcar à tua mulher. Ela está?"
Conheço bem o entusiasmo que a música provoca, embora dos milhares de instrumentos que existem no Mundo, eu só saiba tocar um. E não, não é o meu pénis, antes que comecem com piadas. Mas não se conseguem conter durante uns míseros quatro minutos (ou sete, se o artista tiver um fraco poder de síntese), para eu conseguir ouvir o raio da música até ao fim? É que a música até pode ser especialmente bonita, mas com alguém a guinchar-ma ao ouvido ao mesmo tempo dá logo para desgostar.
Como se sentiriam se, por exemplo, eu vos recomendasse um restaurante e passasse uma refeição inteira a trincar a vossa comida e a dizer: "É bom, não é?", para depois no fim não chegarem a comer nada? Ou se vos apresentasse uma amiga toda boa, por já ter pena de vos ver há tanto tempo solteiros e com as costas por esfregar, e passasse o encontro todo a apalpá-la e a demonstrar o quão talentosa ela é na arte do felácio?
Se uma música for assim tão boa como dizem, decerto que as suas qualidades falarão por si. Não é preciso estarem a gritar-me a letra toda por cima do ombro, independentemente do número de cartazes com a cara do artista que usaram para forrar as paredes do vosso quarto.

Abreijo.

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