segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Sete anos.

Eu sou picuinhas. Já o meu pai também é picuinhas, a minha mãe chega a ser picuinhas e os meus irmãos são só parvos. E já sou picuinhas há algum tempo, lembro-me que o meu avô ainda andava na guerra e já eu era picuinhas. Qual guerra, perguntam vocês? A outra, uma que só eu e o meu avô conhecemos. Chiu.
Foi mesmo desde pequenino que me comecei a aperceber que a quantidade de "picuinhices" com as quais obcecava não fossem talvez normais para o miúdo de buço frágil que era na altura. Hoje continuo a ser de buço frágil, mas já sou um jovem!
É facto também que estes pequenos dramas da minha então curta vida prendiam-se, muitas vezes, com o campo do audiovisual, nomeadamente do cinema e da sua filha bastarda, a televisão. Compreendamos o seguinte: Em miúdo, eu devorava televisão. Era às três e quatro televisões ao dia, sem sequer uma salada a acompanhar. Chegava a ir deitar-me com dores de barriga de tanta televisão, que por não ser muito rica em fibras custava a... Bom, fiquemos por aqui. De facto, foi ao ver muita televisão e ao compará-la com a vida real - já muito agitada, na altura - que me comecei a aperceber de algumas incongruências no modo como são captados alguns episódios que pretendem representar a realidade.
Senão, vejam: Porque é que na vida cinematográfica as pessoas recordam na terceira pessoa factos antigos que presenciaram com os próprios olhos? Para quem joga poucos jogos de vídeo, vão procurar o que significa "terceira pessoa". "E em que medida é que isto é incongruente?", perguntam vocês cheios de pompa e circunstância. É-o porque, a menos que realmente exista aquela coisa da experiência extracorporal, é muito difícil uma pessoa lembrar-se daquela mancha de mostarda que tinha no rabo das calças à altura, porque não a consegue ver. Se não conseguimos ver as nossas próprias borbulhas das costas quando interagimos com uma pessoa ou com um cenário, normalmente também não conseguimos vê-las quando tentamos recuperar esse acontecimento por via da memória. Só nos lembramos, portanto, daquilo que o nosso raio de visão captou na altura. Mas na indústria cinematográfica  pelos vistos não funciona assim, vemos as nossas próprias borbulhas e em HD, com close-ups e planos detalhados. E eu ali, com sete anos e a pensar: "Chiça, quem me dera também lembrar-me de coisas na terceira pessoa... Pode ser que assim descubra quem foi que me deu com o livro de Ciências na cabeça no intervalo de ontem." Sim, eu com sete anos já dizia chiça.
Mas calma, que ainda há mais! E no caso das cartas de correspondência, tão populares em filmes que retratam épocas antigas dado que naquela altura "informática" era apenas uma palavra-segura para a prática do sexo sadomaso? (Eu sou fixe, por isso digo "sadomaso"...) Porque é que quando alguém recebe uma carta nesses filmes e a começa a ler ouve sempre a voz do remetente por trás a ditá-la? Aquilo chega a ser assustador, parece que lhes estão a ler a carta por cima do ombro. Se era para isso, nem era preciso escrevê-la! Até porque carta implica escrita, discurso textual. Eu, por exemplo, quando leio cartas não faço muita questão de a imaginar na voz de quem ma envia.
E com cartas anónimas, como é que isso funciona? Não conhecem a voz do remetente, pois não? Então têm que distorcer a voz, como fazem àquelas testemunhas na televisão que não querem dar a cara. Já viram a trabalheira que isso dá? Até aceito que seja a voz do próprio destinatário lá ao fundo a ler a carta, visto que sermos nós próprios a ler aquele texto todo chegaria a ser aborrecido e acabaria por gorar um bocado o objectivo do conceito audiovisual. Agora, vozes alheias? Sejamos sérios.
Era só isto. Cinema, televisão e tal, mudem lá essas parvoíces.

Abreijo.

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