quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Separatismo saudável.

No outro dia, a minha mãe virou-se para mim e perguntou: "Filho, gostas de sopas de letras?"
... mas calma, que isto ainda não acabou. Até não desgosto de sopa de letras. Se levar à boca uma colherada com algumas sete letras, sou até capaz de as embuchar por ordem alfabética, e ainda cuspir as que estiverem danificadas ou incompletas. Isto só para verem o trabalho de língua e palato - não confundir com Malato, que esse até consegue fazer contas de dividir com qualquer tipo de massa, desde que esteja cozinhada - deste menino.
E já que falamos - falo eu, que vocês aí aposto que nem se mexem - em contas, vou então introduzir o tema de uma forma simples e serena (até queria introduzi-lo de uma forma divertida e sensual, mas quando mandei vir uma carrinha de nove lugares com cinco palhaços e quatro strippers acabaram por ficar todos na berma da estrada a brincar com o macaco de mudar pneus): tal como não desgosto de sopa de letras, também chego a ser grande fã das letras em si. Caso contrário, estariam muito provavelmente a ouvir as minhas divagações por entre duas (ou mais) cervejas na mesa mais recatada do Café do Tolas, em vez de as estarem aqui a ler. Gosto, de facto, de letras, da sua conjugação, das formas engraçadas que elas têm, da sua fonética, aqueles sons estranhos que elas me obrigam a produzir oralmente, e que quando conectados quase fazem uma melodia digna de uma banda sonora de um filme pornográfico, tal é a excitação que provocam em mim. Pronto, eu acalmo-me...
Também até nem desgosto de números, e sou até menino para, num dia solarengo, fazer uma ou duas contas de subtrair sem ter que sacar da calculadora que, curiosamente, só funciona a energia de raios solares. Desde que não me peçam para dividir, por mim está tudo bem (e nem é por eu ser uma pessoa egoísta, é mesmo por nunca ter percebido como funcionam aquelas contas).
O problema, meus caros, é quando decidem misturar as duas coisas. Aí é que a sopa azeda! Aí é que não há calculadoras que me valham! E o que me irrita mais é que a mistura só se dá por vontade dos números, porque as letras estão no seu lado quietinhas, a jogar Scrabble e a beber umas frescas. Na escola até me ensinaram que se deve escrever os números por extenso, pelo menos os mais pequenos, que é para poupar caneta (a meu ver). Até nisso as letras evitam entrar no território inimigo. Mas os números não, equipam-se com as suas metralhadoras quânticas e os seus capacetes de guerra binários e infiltram-se no território das letras, raptando as que bem lhes apetece para mais tarde usarem em fórmulas matemáticas e outras práticas horrendas que tais. MAS COM QUE DIREITO, pergunto eu em maiúsculas que é para chamar a atenção do leitor mais distraído?
A forma mais comum de enumeração que encontramos na escrita chega a ser em numeração romana, que mais não é do que a conjugação de diferentes letras para interpretar números. Até nisso as letras se mostram menos conflituosas: para evitar animosidades, arranjaram forma de transcrever os números sem sequer ter que lhes tocar. É um verdadeiro escândalo ver alguns números passar incólumes nas ruas e felizes da vida, sabendo muito bem aquilo por que fizeram passar as pobres das letras; muitas delas tendo recorrido à auto-mutilação - veja-se o caso do pobre "y", que de normal tem pouco - tal foi o trauma que lhes ficou.
Devíamos aprender com as letras, seguir o seu exemplo de civismo e respeito pelo próximo! Por exemplo, se não queremos conviver com outras culturas, em vez de as tentar erradicar podemos sempre adaptá-las à nossa própria linguagem e - imitando o que as letras fizeram em relação aos números - referir-nos a elas recorrendo a sólidos geométricos, ou a faixas do CD Best Of da Rute Marlene.
Fica a dica.

Abreijo.

2 comentários:

  1. Vou apresentar isto a muitas editoras. Quero disto todas as semanas. Vou-te obrigar, de form indirecta, a cumprir horarios e a agradar fas.

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A cada comentário morre uma criança em África, relativamente a cenas.
Veja lá o que vai fazer.