Há quem diga que a corrupção impera em Portugal, o que eu
condeno. Portugal não é um país de corruptos, é um país de hiperactivos com
défice de atenção.
Sim, é verdade. Mudam-se os tempos, muda-se o palavreado.
Antigamente, se eu me portasse mal e o meu irmão me desse um pontapé nas
canelas estava apenas a educar-me; hoje, sofro de bullying. Antigamente, se eu me
recusava a comer alguma coisa os meus pais enfiavam-me pela boca adentro; hoje,
tenho um distúrbio alimentar. Antigamente, se eu não parava quieto e não prestava
atenção na escola era mal-comportado; hoje, sou hiperactivo e tenho défice de
atenção.
É isto que me parece que se passa com o nosso pequeno jardim
à beira-mar plantado. O problema não está no jardim, nem pensar, mas sim no
adubo que foi usado para o fazer crescer. Portugal cresceu irrequieto, com
vontade de explorar e de extravasar os limites da sua existência. Depois dos
alvoroços da adolescência, acabou por se tornar num jovem rígido e saudosista,
preso à boa vida que tinha no passado. Hoje, é um senhor de meia-idade que
começa a sentir todas as dores e mazelas das doenças que ignorou até então.
Mas a hiperactividade e a falta de atenção continuam lá! Os
portugueses de hoje em dia nem são más rés, coitados, quanto muito são é
esforçados demais. Desdobram-se em cargos importantes, em lugares nas salas de
reunião das empresas, em direcções de bancos, atrás de púlpitos… Não conseguem fazer
só uma coisa de cada vez, e por isso querem fazer tudo ao mesmo tempo. A sua
hiperactividade permite-lhes saltar de cargo em cargo com a agilidade de um
pequeno cão de caça, enquanto a sua falta de atenção impede-os de se manterem
muito tempo a realizar sempre a mesma tarefa. Por isso, transitam de pasta em
pasta como um saltimbanco engravatado que, apesar de nunca se fixar em sítio
algum, ainda assim tem uma casa de férias no Algarve.
No meu tempo, a má-criação resolvia-se com uma palmada bem
dada. Hoje, a hiperactividade implica consultas com psicólogos e especialistas e
costuma terminar com algum tipo de medicação. Ora, eu não sei que tipo de comprimido
se pode receitar a um país inteiro, nem qual o especialista que vai ter
paciência para avaliar dez milhões de pessoas…
Mas, à falta de melhor solução, podemos sempre resolver o
problema da mesma forma que ele era resolvido antigamente: uma palmada bem dada
para levantar o rabo do chão, seguida de um bocadinho de choro e de birra e
terminando com um pedido de desculpas resignado e com a promessa de que não nos
voltaremos a portar mal.
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